Uma candidatura agregadora 03/09/2017
- FERNANDO HENRIQUE CARDOSO*
Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros.
Mário Covas e eu, então, éramos líderes das bancadas do PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.
Na formação do PSDB nossa base social não provinha dos sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus.
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As questões sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris, abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc.
Não nos esquecíamos, tampouco, das classes médias, de onde provínhamos.
O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o particular.
Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado nem à crença no intervencionismo estatal.
A defesa dos interesses gerais requer responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação e no gasto público.
O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova, que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições social-democratas mais contemporâneas à globalização.
O programa do PSDB recentemente difundido na TV mostrou a mutação maligna sofrida pelo sistema de alianças decorrente da Constituição de 1988.
A eleição do presidente da República com pelo menos 50% mais um de votos, quando seu partido não alcança mais do que 20% das cadeiras na Câmara, como ocorreu até hoje, obriga o presidente eleito a compor alianças para governar.
Este sistema, dito “presidencialismo de coalizão”, com o passar do tempo, se degenerou no “presidencialismo de cooptação”.
Juntaram-se grandes empresas e partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos, gerando um fluxo financeiro que beneficiava os partidos e parlamentares que sustentavam os governos.
Isso se deu graças à persistência de uma cultura política oligárquica e clientelista e graças, também, ao fortalecimento de um capitalismo de laços entre partidos e empresas (públicas e privadas).
No modelo de coalizão a maioria no Congresso se forma, em tese, com base no acordo entre os partidos sobre uma agenda do Executivo.
No presidencialismo de cooptação o apoio passa predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas cartelizadas e indivíduos.
Este novo arranjo ganhou força com a ascensão do PT ao poder, movido por objetivos de ocupação hegemônica do Estado.
Foi no presidencialismo de cooptação que se centrou a crítica do citado programa do PSDB, dando ouvidos à voz das ruas no repúdio à corrupção.
O Brasil clama por mudanças e o partido deve apoiá-las, dentre as quais: a cláusula de barreira para conter a fragmentação partidária e para impedir a criação de não partidos com acesso aos recursos públicos; a proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo das campanhas.
É preciso devolver aos programas “gratuitos” de TV o formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem”.
Fundamental, também, é criar distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras, já na eleição municipal de 2020.
A doação empresarial, se for aprovada, deve dirigir-se apenas a um partido em cada modalidade de eleição (federal ou estadual).
Os recursos devem ser doados ao Tribunal Eleitoral, que abrirá contas em nome de cada partido, para as despesas de campanha.
A doação voluntária de pessoas físicas deve ser estimulada, com fixação de teto.
Sem tais alterações, a começar pelo barateamento das campanhas, mais recursos públicos para as eleições devem ser recusados, bem como a criação de novos fundos eleitorais.
O PSDB apoiou o governo Temer pelo interesse nacional na governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que o partido deve assumir e liderar, lutando para garantir a conformidade entre elas e seu ideário.
É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação, habitação e infraestrutura, assim como na política externa.
Não há apoios políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que parecer errado.
Se existirem divergências mais profundas e substantivas, que sejam explicitadas antes de um eventual “desembarque”.
O importante, agora, será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro.
A globalização, da qual devemos participar com mais intensidade do que até agora, se baseia numa tecnologia que requer inovação constante e formação técnico-científica, tanto de executivos como dos empregados e trabalhadores em geral.
O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do conhecimento à produção e de sua melhor integração às cadeias internacionais de produção e valor.
É preciso gerar crescimento econômico sem comprometer o meio ambiente, já ameaçado em escala global.
O olhar social requer compromissos morais inescapáveis: a bandeira da igualdade ganha enorme força diante da desigualdade gritante prevalecente e deverá implicar mais e melhor educação, saúde e segurança.
A moralidade pública e privada é um requisito para que as pessoas possam voltar a crer nos que governam.
O País necessita de uma candidatura agregadora para 2018, que assuma essas bandeiras.
Chances de vitória existem, se tivermos competência para retomar uma narrativa que, valorizando o muito que o PSDB fez na área social (Fundef, bolsa-escola, avanços na reforma agrária, estruturação do SUS, implementação da Loas, etc.), abra os horizontes do futuro e defenda os valores morais.