A lei não é o limite 28/09/2017
- O ESTADO DE S.PAULO
A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por 3 votos a 2, de afastar Aécio Neves (PSDB-MG) do Senado e de mandar que ele cumpra recolhimento domiciliar noturno é tão absurda, em tantos sentidos, que não resta alternativa ao plenário do Senado senão desconsiderá-la, pelo bem do equilíbrio entre os Poderes, pelo respeito à Constituição e para salvar o Supremo desse vexame.
Esse tribunal, cuja atribuição primária é zelar pelo cumprimento das diretrizes constitucionais, afrontou a Carta Magna como poucas vezes se viu nesses tempos já bastante esquisitos, em que o “direito achado na rua” se sobrepõe ao que está na lei.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) havia pedido em julho, pela segunda vez, a prisão de Aécio e a suspensão de suas funções parlamentares, sob a acusação de corrupção e obstrução de Justiça, com base na delação do empresário Joesley Batista.
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Na primeira vez, o pedido foi parcialmente aceito pelo ministro Edson Fachin, relator do caso no Supremo, que afastou o senador de seu mandato, algo que somente o Senado poderia fazer, e ordenou que ele deixasse de ter contatos políticos, mas evitou mandar prendê-lo por considerar que não havia flagrante de crime inafiançável, único caso em que um parlamentar no exercício do mandato pode ser preso.
A esdrúxula decisão do ministro Fachin foi revista pelo colega Marco Aurélio Mello, que na ocasião lembrou o óbvio:
“Cumpre ser fiel aos ditames constitucionais e legais, sob pena de imperar o descontrole institucional, com risco para a própria democracia”.
Agora, ao avaliar o segundo pedido de prisão feito pela PGR, a Primeira Turma do Supremo não apenas reafirmou a punição a Aécio, atropelando a Constituição, como alguns de seus integrantes resolveram dar lições de moral ao senador.
O mais eloquente foi o ministro Luiz Fux. Ao dar um dos três votos contrários a Aécio, Fux disse que o senador deveria ter “se despedido” do mandato quando foi acusado, mas, como “ele não teve esse gesto de grandeza, nós vamos auxiliá-lo a pedir uma licença para sair do Senado Federal”.
Se tudo o mais já não fosse grave o bastante, o ministro resolveu fazer blague com coisa séria.
Já o ministro Luís Roberto Barroso votou de acordo, segundo ele, com a coerência.
Barroso argumentou que “seria uma incongruência” manter em prisão domiciliar os supostos cúmplices de Aécio – entre os quais sua irmã, Andrea Neves – e não punir o próprio senador de forma semelhante, pois “há indícios, bastante suficientes a meu ver, de autoria e materialidade”.
Ou seja, o ministro do Supremo parece ignorar que um senador da República, conforme está explícito no artigo 53 da Constituição, só pode ser preso com a autorização de seus pares, razão pela qual sua situação é muito diferente da de seus supostos cúmplices.
Além disso, está clara, tanto no voto de Barroso como no de Fux, a antecipação de juízo condenatório, embora Aécio Neves nem réu seja.
O terceiro voto, da ministra Rosa Weber, também foi nessa linha e acrescentou absurdos, ao dizer que Aécio deveria sofrer restrições de movimentos porque descumpriu as determinações do ministro Edson Fachin de não ter contatos com políticos, o que equivaleria, sob qualquer aspecto, à cassação de direitos políticos do senador.
A arbitrariedade desse voto é evidente: basta lembrar que há um deputado, Celso Jacob, que está preso em regime semiaberto e continua a exercer o mandato na Câmara, com autorização da Justiça. Ou seja, enquanto um condenado pode continuar a fazer política, um senador que nem réu ainda é não pode.
Há ainda outros problemas práticos gerados pela decisão do STF. O Senado terá um voto a menos, já que inexiste regra para a substituição nesse caso.
Além disso, enquanto não for julgado, Aécio pode se candidatar a deputado e, se vencer, não poderá entrar no Congresso, porque o Supremo o proibiu.
E, caso Aécio resolva ignorar as determinações do Supremo, não há como sancioná-lo, pois não há previsão legal sobre o que fazer nesse caso, já que a decisão dos ministros foi uma invencionice jurídica.
Em resumo, o voluntarismo e o ativismo que há tempos acometeram uma parte do Supremo parecem ter atingido o estado da arte.