Trabalho escravo: o que é preciso saber para corrigir as bobagens que seu amigo diz no boteco 21/10/2017
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
Os sites noticiosos, lotados de moças e moços com hormônios e neurônios em ebulição, têm certeza de que a Portaria 1.129, que regula as condições para a concessão de seguro-desemprego a quem foi vítima de trabalho degradante, é uma tramoia ruralista.
Vocês sabem: os ruralistas são essa gente malvada que, além de querer destruir a natureza, ainda gosta de explorar trabalho escravo.
Ai, ai… É a chamada conspiração da ignorância a unir ministros, artistas e jornalistas a favor do bem, do belo e do justo…
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A Constituição brasileira, no artigo 243, já previa a expropriação de terras — e as torna disponíveis para a reforma agrária — em que se encontrem “culturas ilegais de plantas psicotrópicas”.
A partir da Emenda Constitucional nª 81, de 2014, estão sujeitas ao mesmo destino as propriedades que abrigarem trabalho escravo.
Se for propriedade urbana, ela será destina à habitação popular.
Os simples de espírito, que ainda não entenderam como toca a música, hão de indagar: “Mas o que há de errado nisso, Reinaldo?
Então seria aceitável a existência de trabalho escravo ou análogo à escravidão? Isso não é mesmo certo?”
Pois é…
Vocês me permitem uma imagem de cunho originalmente religioso, mas metáfora perfeita para o que vivemos?
O diabo, além de se esconder nos detalhes, também costuma exibir uma face de anjo.
Imaginem se ele tentasse conquistar almas com a sua carranca e seu cheiro de enxofre…
Ninguém cairia no conto, não é?
Vamos ver
Antes da Portaria 1.129, quem define, num primeiro momento, o que é e o que não é “trabalho escravo”?
Os fiscais do Ministério do Trabalho!
Como a escravidão, em sentido estrito, é ocorrência raríssima, existe a tal situação de “trabalho análogo à escravidão”.
E é aí que tudo passa a ser possível.
As atividades profissionais e obrigações das empresas são regulamentadas por normas do Ministério do Trabalho.
O que a militância de esquerda e parte considerável do jornalismo esconde é que o trabalho rural, por exemplo, está regulamento pela Norma Regulamentadora nº 31, que traz o seguinte nome:
“SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NA AGRICULTURA, PECUÁRIA SILVICULTURA, EXPLORAÇÃO FLORESTAL E AQUICULTURA”.
Ela estabelece, prestem atenção!, DUZENTAS E CINQUENTA E DUAS EXIGÊNCIAS para se contratar um trabalhador rural.
Pequeno ou médio proprietário que tiver juízo não deve contratar é ninguém.
O risco de se lascar mesmo numa prestação temporária de serviços é gigantesco!
NOTEM QUE ESTOU TORNANDO PÚBLICA A NORMA, EM VEZ DE ESCONDÊ-LA.
Se um empregado é contratado para trabalhar numa roça de café, por exemplo, e, por alguma razão, o dono da propriedade o transfere para cuidar do jardim e do gramado da sede da fazenda, isso só pode ser feito mediante exame médico aprovando a sua aptidão para o novo trabalho.
Se não o fizer… A depender do humor do fiscal, o descumprimento de qualquer uma das 252 exigências pode render uma infração de “trabalho análogo à escravidão.
E o proprietário rural está lascado.
Entra na lista negra do crédito, expõe-se ao pedido de abertura de inquérito pelo Ministério Público etc.
Dada a redação do Artigo 243 a partir de 2014, pode até perder a propriedade.
Querem ver o que diz o gigantesco texto sobre o alojamento dos trabalhadores?
31.23.5 Alojamentos
31.23.5.1:
Os alojamentos devem:
a) ter camas com colchão, separadas por no mínimo um metro, sendo permitido o uso de beliches, limitados a duas camas na mesma vertical, com espaço livre mínimo de cento e dez centímetros acima do colchão;
b) ter armários individuais para guarda de objetos pessoais;
c) ter portas e janelas capazes de oferecer boas condições de vedação e segurança;
d) ter recipientes para coleta de lixo;
e) ser separados por sexo.
31.23.5.2:
O empregador rural ou equiparado deve proibir a utilização de fogões, fogareiros ou similares no interior dos alojamentos.
31.23.5.3:
O empregador deve fornecer roupas de cama adequadas às condições climáticas locais.
31.23.5.4:
As camas poderão ser substituídas por redes, de acordo com o costume local, obedecendo o espaçamento mínimo de um metro entre as mesmas.
Seria eu contrário a essas condições?
Eu não!!!
Aliás, se o caso é discutir “condições”, sou favorável a bem mais do que isso, incluindo uma máquina de café e uma dose de Royal Salute ao cair da tarde.
Não estou fazendo blague.
Estou apenas dizendo o óbvio: quanto melhor, melhor.
Ocorre, insisto, que o descumprimento de qualquer uma dessas dez exigências — ou de qualquer uma das 251 outras — pode render uma acusação de trabalho análogo à escravidão.
Fica por conta apenas do “bom senso” do fiscal.
E vocês sabem como essa história de bom senso pode povoar o inferno.
Quando a emenda foi aprovada, em 2014, escrevi:
“Sem uma especificação clara do que, afinal de contas, caracteriza ‘trabalho escravo ou análogo à escravidão’, criando alguma instância que não transforme um fiscal do trabalho num agente de uma cadeia de confisco de propriedade, o que se está fazendo, na verdade, é recorrer a belas palavras como um truque para relativizar o direito à propriedade.”
Escrevi ainda mais:
“Existem meliantes que exploram o trabalho de miseráveis no campo e nas cidades?
Existem!
Têm de ser punidos?
Têm, sim!
Mas é preciso criar, então, uma lei segura, que estabeleça com rigor as condições em que se vai fazer a fiscalização e aplicar a punição.
Como está, a PEC dá carta branca para o arbítrio e o subjetivismo.”
Tentei saber quantos hectares foram desapropriados desde a promulgação da Constituição, em 1988, sob a acusação de abrigarem plantas psicotrópicas.
Não consegui informações seguras a respeito.
Sabem por que não?
PORQUE O ESTADO BRASILEIRO ESTÁ DESAPARELHADO PARA COMBATER AS VÁRIAS ETAPAS DO NARCOTRÁFICO.
Enviar, no entanto, um fiscal do trabalho para uma propriedade rural qualquer e encontrar lá o descumprimento de algumas das 252 exigências é coisa mais fácil, mais segura, mais barata.
É preciso saber se a gente vai ter um dispositivo constitucional para punir, de fato, os canalhas que exploram o trabalho “análogo à escravidão” ou uma desculpa a mais para ficar aterrorizando o produtor rural.
A plantação de maconha no país não foi minimamente abalada pelo Artigo 243 da Constituição — até porque boa parte da maconha plantada no Brasil está, pasmem!, em áreas públicas. Não dá para desapropriar…
A Portaria 1.129 deveria ter sido baixada já em 2014, quando a Constituição foi alterada.
A propósito: o presidente Michel Temer disse que o texto será alterado para abrigar sugestões da procuradora-geral, Raquel Dodge.
Basicamente, vai se dar mais espaço ao trabalho da Polícia Federal.
Não vejo mal nenhum, desde que não se deixe ao arbítrio de um fiscal do trabalho a decisão sobre o direito de propriedade porque os beliches estão a 95 cm de distância, não a um metro.
Para encerrar.
Saibam: já se fez autuação por “trabalho análogo à escravidão” porque, em um alojamento, havia uma lâmpada queimada, e a escadinha de um dos beliches estava quebrada.
A nova portaria torna mais rigorosa a punição com os que praticam irregularidades.
E protege o direito de propriedade da sanha militante de alguns celerados.