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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Paradoxo Temer
01/11/2017 - FOLHA DE S.PAULO

Excetuando sociedades marcadas por conflitos armados, tensões étnicas e religiosas ou miséria crônica, o Brasil está sem dúvida entre os países mais difíceis de governar.

Não bastassem as dimensões do território e da população, há profundas desigualdades sociais e regionais, que se traduzem em demandas múltiplas e, não raro, contraditórias entre si.

Depois de sucessivos percalços ao longo da história, viabilizou-se uma democracia baseada num sistema político permissivo, que ao mesmo tempo favorece a proliferação de partidos e a baixíssima fidelidade dos eleitos às siglas.


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Acrescente-se uma organização federativa, com 26 Estados e 5.570 municípios dotados de autonomia administrativa, e um Congresso Nacional bicameral — o resultado é uma pletora incomum de obstáculos potenciais a medidas do Executivo ou propostas legislativas.

Se governantes em todo o mundo costumam ser avaliados pela capacidade de promover reformas, aqui a mera conclusão do mandato tem se mostrado um desafio.

Nesse contexto, parecem espantosos os resultados obtidos por Michel Temer (PMDB) em menos de um ano e meio de uma Presidência acidentada desde a origem.

Aprovaram-se projetos tão controversos quanto o redesenho da legislação trabalhista e o teto constitucional para os gastos públicos, sob oposição do sindicalismo e de amplas parcelas do Judiciário.

Reduziram-se subsídios do BNDES a grandes empresas; deu-se início à reformulação do ensino médio.

A despeito da impopularidade acachapante e crescente, Temer também conseguiu votos para barrar as duas denúncias por crime comum de que foi alvo — a primeira delas com elementos mais do que suficientes para justificar uma investigação que o afastaria do cargo.

De modo contraintuitivo, o cientista político Carlos Pereira sustentou, em artigo publicado nesta Folha, que tais vitórias se deram a um custo baixo, na comparação com os verificados em governos anteriores, conforme índice engenhoso que combina a quantidade de ministérios e o volume de verbas liberadas à coalizão situacionista.

Sempre haverá o que questionar, claro, em métricas do gênero.

Mas é fato que o peemedebista, experiente no manejo congressual, uniu em torno de si partidos com razoáveis afinidades programáticas e de preferências mais próximas às da média do Legislativo.

Tudo isso facilita, decerto, a gestão da aliança — embora não se possam isolar, no caso de Temer, os efeitos da crise econômica brutal sobre o senso de urgência de deputados e senadores.

Evidenciam-se, por vias tortas, as vantagens de um regime de governo mais assemelhado ao parlamentarista.

Nota-se, ainda, que nosso presidencialismo pode ser particularmente hostil a neófitos.


  

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