A escrava que não é Isaura 03/11/2017
- O ESTADO DE S.PAULO
A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, apresentou um pedido ao governo para acumular o seu salário de ministra com o de desembargadora aposentada, o que lhe garantiria vencimento bruto de R$ 61,4 mil mensais, revelou o Estado.
Por força do teto constitucional, ela recebe atualmente R$ 33,7 mil mensais.
Essa situação, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo, o que também é rejeitado, peremptoriamente, pela legislação brasileira desde os idos de 1888 com a Lei da Abolição da Escravatura”, diz o pedido apresentado no início de outubro.
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É uma afronta à Lei Áurea e aos direitos humanos utilizar a lei que aboliu a escravidão no País como argumento para receber mais que o teto previsto na Constituição.
A remuneração dos ocupantes de cargos públicos não pode exceder o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), diz o art. 37, XI da Constituição.
Insatisfeita com os seus rendimentos de R$ 33,7 mil mensais, a ministra dos Direitos Humanos fez uma interpretação muito peculiar do que seria o teto constitucional.
“Ao criar o teto remuneratório, não se pretendeu, obviamente, desmerecer ou apequenar o trabalho daquele que, por direito adquirido, já percebia, legalmente, os proventos como sói acontecer na minha situação”, diz Luislinda Valois, referindo-se ao fato de que ela – obviamente sem contar as famosas verbas indenizatórias – já recebia R$ 30.471,10 como desembargadora aposentada e, portanto, o acréscimo em seus proventos pelo cargo de ministra se resume a R$ 3.292 mensais brutos.
E é justamente isso – receber pelo cargo de ministra apenas R$ 3.292 mensais – que faz a ministra dos Direitos Humanos achar que sua situação é equiparável à dos escravos.
“Todo mundo sabe que quem trabalha sem receber é escravo”, disse Luislinda Valois ao Estado.
Talvez não seja de todo inútil informar-lhe que o salário mínimo no País é de R$ 937 e que a imensa maioria dos trabalhadores não tem direito ao que Luislinda Valois, pelo fato de ser ministra, tem: carro com motorista, jatinhos da FAB à disposição, cartão corporativo e imóvel funcional.
Se Luislinda Valois sente-se insatisfeita e desmerecida com as condições de seu trabalho a ponto de equipará-lo à escravidão, deve imediatamente pedir demissão de seu cargo de ministra de Direitos Humanos, em vez de requisitar que o governo descumpra a Constituição e lhe pague R$ 61,4 mil mensais.
O pedido apresentado por Luislinda Valois é manifestação de absoluta incompatibilidade com o cargo que ocupa.
O respeito aos direitos humanos tem como requisito primário o cumprimento da lei.
Quem busca um privilégio que afronta a Constituição – receber do Estado R$ 61,4 mil mensais – não preenche as condições para ocupar a chefia do Ministério dos Direitos Humanos.
Além de respeitar a lei, quem comanda o Ministério de Direitos Humanos precisa ter um mínimo de sensibilidade com a situação do governo e do País.
Há um grave problema fiscal, de difícil resolução, com consequências para todos, população e governo.
Basta ver a árdua batalha para aprovar a reforma da Previdência.
Além disso, há gravíssimos problemas sociais, a começar pelos 12,96 milhões de brasileiros desempregados, segundo dados do IBGE.
Enquanto isso, a ministra dos Direitos Humanos apresenta um pedido de 207 páginas ao governo federal para que possa receber R$ 61,4 mil mensais.
Quando questionada sobre a razoabilidade de seu requerimento e de seu argumento sobre a escravidão, Luislinda Valois disse-se triste com a repercussão do caso.
“Estou muito triste. Sempre fui muito correta, estudiosa e não admito que queiram me levar para o lado negativo. (...) Tanta coisa que tem que se fazer no País e as pessoas ficam se apegando a miudezas? Eu só quero o meu direito de peticionar.”
Certamente, cabe-lhe o direito de postular suas pretensões salariais e de dizer o que pensa.
O que não cabe é fazer tais pedidos e interpretações e continuar ocupando o Ministério dos Direitos Humanos.
Se o pesado cargo lhe é demais, alforrie-se.
Ela é livre para isso.
O que ela chama de “miudezas” está longe de ser miudezas – são acintosos privilégios num país de desprivilegiados.