Revólver na cidade e fuzil no campo 20/11/2017
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
E o que pensa Jair Bolsonaro sobre segurança pública? Ele teve a chance de expor, digamos assim, o seu programa na entrevista concedida ao Canal Livre.
Se os seus partidários querem ouvir bobagem, serão atendidos com sobras. O deputado tem as propostas na ponta da língua.
Atenção:
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1: disse que vai desfazer o que foi feito até agora, seja lá o que isso signifique;
2: vai distribuir porte de armas a todos os cidadãos — os de bem, claro!;
3: para o homem do campo, facilitará o porte de fuzil para combater invasões de terra;
4: vai acabar com esse negócio de policiais terem de prestar contas quanto matam bandidos.
E pronto!
Bolsonaro não leu Thomas Hobbes, mas chutaria o traseiro de John Locke numa boa.
Está convicto de que o homem só respeita aquilo que ele teme.
Os mais lidos da sua turma ainda pedirão a ele que cite um trecho de “O Príncipe”, de Maquiavel.
Dada a natureza mesquinha e inconstante dos homens é preferível ao príncipe ser temido a ser amado se não puder contar com as duas coisas.
É o nosso pensador.
Mas houve 61.169 homicídios no país em 2016!
E daí?
Bolsonaro está convicto de que, se a população estiver armada, o bandido terá mais receio de agir.
Caracas é hoje a cidade com o maior número de homicídios por 100 mil habitantes do mundo.
E não se colocam nessa conta os crimes políticos.
Chávez e Maduro armaram o povo até os dentes para enfrentar “os imperialistas”, entenderam?
Aliás, o deputado e alguns grupos de extrema-direita são obcecados pelo armamento da população.
Um jornalista investigativo deveria apurar se há nisso mais do que simples convicção.
Da noite para o dia, explodiram as páginas na Internet fazendo a defesa de tal tese, cuja eficácia não encontra argumentos lógicos, empíricos, matemáticos e históricos…
Escolham aí a categoria.
E, bem, com ele não tem esse papo de direitos humanos para presos, não!
Ele sabe que há muita gente que quer ouvir essa sandice.
Dados do CNJ apontavam, em fevereiro deste ano, a existência de 654.372 presos no país, dos quais 221.054 — 33,78% são provisórios.
Em São Paulo, o Estado que mais prende, os provisórios são 15,32%, mas, em Sergipe, são 82,34%.
Esses números não foram apresentados ao deputado.
Tivessem sido, ele daria de ombros.
Deixou claro:
“Objetivo da cadeia não é ressocialização, mas tirar [o criminoso] da sociedade”.
Se o pré-candidato não fizesse profissão de fé na ignorância, poderia ter lembrado a seus entrevistadores que o Estado de São Paulo tem hoje a menor taxa de homicídios do país — abaixo de 10 por 100 mil — e é também a unidade da federação que mais prende: com 22% da população do país, conta com 40% dos presos.
Se não fosse tão preguiçoso em matéria de leitura, buscaria referências para evidenciar a seus entrevistadores que há uma correspondência evidente entre os Estados em que se prende mais e aqueles em que se mata menos.
Acontece que Bolsonaro não sabe combater o argumento politicamente correto ou de esquerda.
Está tão afobado para expelir ignorâncias que, confrontado com a tese que combate o chamado “encarceramento”, em vez de trabalhar com os dados, prefere a resposta adjetiva, ideológica, boçal:
“Ah, então vamos soltar todo mundo…”
O bolsonarismo, a exemplo de todo extremismo, de todo juízo tosco, não admite instâncias intermediárias entre uma tese e seu avesso; entre “soltar todo mundo” e “prender todo mundo”.
E a integração entre as políticas, a vigilância de fronteiras, essas coisas?
O deputado lembrou que a fronteira dos EUA com o México é de 3.400 km (precisamente, 3.241 km) e do Brasil com seu vizinho, de 17 mil km (precisamente, 16.186 km).
Não esclareceu o raciocínio, mas me pareceu considerar impossível realizar vigilância a contento de área tão extensa.
Segundo se entendeu, considera isso papo furado.
Sua receita, está claro, é outra: fuzil no campo, revólver na cidade, bandido com medo (segundo ele) e nada de direitos humanos nas cadeias.
E pronto!
Mas esperem: os países em que se mata mais não são justamente aqueles em que as armas circulam livremente, incluindo os EUA?
Afinal, nações com IDH semelhante e que restringem duramente a compra e porte de armas apresentam taxas de homicídio inferior a 1 por 100 mil habitantes — no Japão, é de 0,3; na Alemanha, 0,7; nos EUA, 4,5 (6,4 vezes a da Alemanha e 15 vezes a do Japão).
Sim, há outros fatores que interferem nesses números, mas é evidente que não há menos evidência lógica, empírica, matemática e histórica a apontar que licre circulação de armas concorre para diminuir a violência: ao contrário, trata-se de um fator que a faz se multiplicar.
E daí?
O público de Bolsonaro quer ouvir bolsonarices. E ele não deixa ninguém passar vontade. É um assombro.
A bandeira da paz social de Bolsonaro traz um brasão com um fuzil e um revólver.
Indagado sobre a sua grande contribuição à política desde que está na Câmara — lá chegou em 1991, há 26 anos —, respondeu:
“O voto impresso”.
Sem ter um miserável elemento que evidencie a sua afirmação, deu a entender que o voto eletrônico é fonte de fraudes.
E disparou:
“Se não houver fraude, estou no segundo turno”.
Vale dizer: se ele não estiver, então houve fraude.