Congresso deve reduzir a quase zero foro especial. Vem confusão! 23/11/2017
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
Roberto Barroso gosta de legislar.
Roberto Barroso não se conforma apenas com os poderes imensos que aquela toga já lhe confere.
Roberto Barroso gosta de usar a sua posição de “Um dos Onze” da República para pôr em prática suas ideias exóticas sobre direito.
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Roberto Barroso ousa usar as prerrogativas da cadeira em que está para usurpar atribuições do Poder que lhe concedeu aquele status.
Roberto Barroso instrumentaliza a toga, sem medo de ser feliz, para impor ao país uma agenda ideológica.
E Roberto Barroso — e isto não é nem por seu mérito ou por sua esperteza — pertence àquela elite de esquerdistas cariocas com vista para o mar que tem uma agenda de esquerdização dos costumes e das políticas do Estado, mas que conta, ora vejam!, com o apoio da direita e da extrema-direita.
Sim, isso fala da inteligência e da capacidade de análise da direita e da extrema-direita.
O pensamento de Barroso — vale dizer: o conjunto de valores e práticas de que é usuário, formulador e caudatário — está, por exemplo, plenamente traduzido na Lava Jato.
Conduziu a política brasileira ao buraco em que está. Fez de Lula o candidato favorito. Fragmentou o campo centrista. Criminalizou a política. Deixou o país à beira de se ajoelhar no altar de um salvador da pátria.
Explico tudo.
Peguem todos os temas sobre os quais o STF decidiu agir como legislador.
Em todos os casos, sem exceção, ou ele é o porta-voz da causa, como advogado, ou seu principal patrocinador ou entusiasta: união civil gay (advogado), aborto (porta-voz), medidas cautelares para parlamentares (porta-voz), cotas raciais (entusiasta), fim do financiamento público de campanha (advogado, porta-voz e entusiasta).
E não pensem que a agenda dele acabou, não.
Um de seus objetivos é usar a Constituição como instrumento para legalizar as drogas.
Notem: todos esses temas sobre os quais o Supremo deliberou não passariam com facilidade pelo Congresso — ou não seriam aprovados de jeito nenhum.
Então o que fazer?
Ora, por que não dizer que a Constituição consagra, nos seus valores abstratos, aquilo que se quer pôr goela abaixo da sociedade, queira ela ou não?
É o caso do aborto.
Numa ação absurda, escandalosa, inacreditável mesmo, o doutor usou a concessão de um simples habeas corpus para excluir o crime de aborto volitivo praticado até o terceiro mês de gestação.
A lei brasileira trata das hipóteses de exclusão de crime na prática de aborto no Artigo 128 do Código Penal.
Não é crime em caso de estupro e risco de morte da mãe.
Mudar esse texto é tarefa do Congresso.
Não quando Barroso está na área.
Ele tem um país na cabeça, uma Constituição na cabeça, um povo na cabeça.
E usa os instrumentos que lhe fornecem o país, a Constituição e o povo para, se preciso, atuar contra a sua vontade.
Doutor Barroso é um cavalo de Troia da esquerda que foi recolhido pelos trouxas e xucros do conservadorismo.
Em recente bate-boca com o ministro Gilmar Mendes, depois de o advogado do terrorista Cesare Battisti ter se abespinhado com críticas feitas ao Estado miserável em que se encontram as finanças do Rio — reação bairrista e despropositada —, a direita que ronca e fuça nas redes sociais o tratou como herói.
Afinal, ele atacava Mendes, não é?
E o fazia do modo intelectualmente mais desonesto: demonizando o habeas corpus.
Os idiotas aplaudiram com entusiasmo o ministro vermelho que se fingia de verde e amarelo para poder, de novo, fazer avançar a sua agenda.
Afinal, ele é um cavalo de Troia.
E, agora, chegou a vez de legislar sobre o foro especial por prerrogativa de função.
(...)
Muito bem. Você sabe que o ministro Roberto Barroso é o grande entusiasta e praticante do STF legislador: união civil gay, aborto, medidas cautelares para parlamentares, cotas raciais, fim do financiamento público de campanha etc.
Sua mais recente cruzada volta ao plenário nesta quinta, com apoio quase unânime da imprensa.
Há até jornalistas gravando vídeos em WhatsApp em defesa da proposta.
No domingo, o Fantástico levou ao ar uma reportagem sobre o tema com a maior quantidade de mistificações, erros e omissões que uma única reportagem foi capaz de concentrar.
A que me refiro?
À redução, por meio de um truque judicial, do foro especial por prerrogativa de função.
Vamos lá: ao julgar um caso em particular, a exemplo do que fizera com o aborto, Barroso resolveu usar uma Questão de Ordem na Ação Penal 37 para simplesmente legislar sobre o foro especial por prerrogativa de função.
A matéria está disciplinada nos Artigos 29, 102, 105, 96 e 108 da Constituição.
E daí?
O doutor quer resolver tudo numa pernada só.
E, ora vejam, seu alvo praticamente exclusivo são deputados e senadores.
Sua fórmula é esta:
– que o foro esteja limitado aos atos praticados quando do exercício do mandato e em razão do exercício do mandato;
– processo que começou numa determinada instância nela prossegue, independentemente do cargo ocupado pelo réu, se a fase de produção de provas já estiver concluída.
Parece bom?
Parece bacana?
Bem, a chance de confusão é gigantesca.
Não resolve nenhum dos problemas em curso e ainda traz novos, derivados dos conflitos de competência.
Digamos que o Indivíduo X seja réu numa ação quer corre em primeira instância.
Eleito deputado federal, segundo as regras atuais, tal ação passaria para o STF.
Nota à parte: se ali prosseguir, é bom lembrar, o Sr. X terá direito a um único julgamento.
Sigamos.
Vamos ao modelo Barroso.
O Sr. X, processado em primeira instância, se elege deputado federal, mas o tal processo não migra para o Supremo.
Condenado, o juiz de primeiro grau, que pertence à Escolinha do Professor Moro, decide decretar sua prisão preventiva.
Segundo o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição, parlamentares federais só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.
Vai valer o quê?
Teremos de inventar uma Lei Mandraque?
“Prisões determinadas pela primeira e segunda instância não poderão ser executadas enquanto durar o mandato etc?”
Condenado em primeira instância, o Sr. X recorrerá à segunda.
Confirmada a condenação, irá para a Terceira.
Confirmada a sentença, ele, então, perde o mandato.
Venham cá: Barroso tem certeza de que essa tramitação, da primeira à ultima instância, com todos os recursos que há no percurso, é mais célere do que a tramitação no foro especial?
Será que a cantada em prosa em verso celeridade da 13º Vara Federal de Curitiba, do juiz Sérgio Moro, é o padrão da Justiça brasileira?
Mais: deixar os senhores deputados e senadores ao escrutínio dos juízes de primeira instância, federais e estaduais — uns 17 mil… — é mesmo garantia de justiça?
Dado o padrão, digamos, coronelista vigente em vastas áreas das solidões morais brasileiras, não se abrem as portas do compadrio?
Pensem em alguns nomes da nossa chamada “elite tradicional”.
Onde encontrariam mais facilidade para fazer valer a sua influência?
No Supremo ou no TRF ou TJ de seu respectivo Estado?
O fim do foro é o mais vistoso ouro dos tolos.
Quanto à proposta de Barroso, que chegou ao STF no dia 1º de junho.
O ministro Alexandre de Moraes pediu vista, mas não sem fazer, então, a defesa institucional do Supremo Tribunal Federal, acusado, de forma injusta, como Casa da impunidade.
Disse o ministro:
“A afirmação de que o foro no STF acaba gerando impunidade não só não tem respaldo estatístico como acaba por ofender e desonrar a própria história do Supremo (…). Não há uma instância mais eficaz do que a outra. O que há é um Poder Judiciário querendo colaborar no combate à corrupção no país.”
Está coberto de razão!
Números que circulam por aí são fajutos.
Fosse como querem alguns, o Brasil seria um paraíso da justiça, não é mesmo?, já que a esmagadora maioria da população não tem foro especial.
Você se atreveria a endossar essa ideia, leitor amigo?
Você se atreveria a dizer que a Justiça de primeira instância é, no geral, justa e eficaz?
Nesta quinta, Moraes apresentará seu voto.
Vamos ver.
Talvez tente moderar a solução Barroso, embora isso tudo possa ser inútil.
Antecipando votos
Dado o pedido de vista, eis que três ministros, num gesto absurdo de descortesia com o colega, de afronta ao outro, de rixa pura e simples, resolveram antecipar seus respectivos votos: Marco Aurélio, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
E ficaram com Barroso, totalizando, então, quatro em favor da tese exótica do doutor.
Do trio, só um comportamento é mesmo inaceitável: o de Cármen Lúcia!
Diria ser vergonhoso.
Explico.
Marco Aurélio, o “causão” de sempre, afirmou:
“Se digo que a competência é funcional, a fixação, sob o ângulo definitivo, ocorre considerado o cargo ocupado quando da prática delituosa, quando do crime, e aí, evidentemente, há de haver o nexo de causalidade, consideradas as atribuições do cargo e o desvio verificado“.
Eis aí: seria uma consideração excelente para um deputado que estivesse apresentando uma emenda constitucional.
Rosa Weber — e não estou certo de que entendesse direito o que se debatia — tentou ser profunda:
“O instituto do foro especial, pelo qual não tenho a menor simpatia, mas que se encontra albergado na nossa Constituição, só encontra razão de ser na proteção à dignidade do cargo, e não à pessoa que o titulariza”.
A fala é boba e não serve para nada.
Quando se estabelece o foro especial, tenta-se proteger o cargo, sim, mas só é possível, no caso, protegendo a pessoa.
Mas entendo Rosa: não deve ser fácil para ela.
Cármen Lúcia, no entanto, é imperdoável.
Assistiu inerme aos ataques que Barroso, em seu voto, fez ao Supremo — sim, ele tratou o tribunal como uma espécie de símbolo da impunidade, o que é falso — e nem mesmo se ocupou de contestar a corrente orquestrada para difamar a Corte Maior do país.
E a meritíssima tem esse papel institucional.
Pior do que isso: ela mesma, embora presidente do tribunal, resolveu antecipar a sua posição, apelando a uma retórica, vênia máxima, hipocritamente igualitarista.
Afirmou a “çábia”:
“O Brasil é uma República na esteira da qual a igualdade não é opção, é uma imposição (…) Essa desigualação que é feita para a fixação de competência dos tribunais, e, portanto, de definição de foro, se dá em razão de circunstâncias muito específicas. Portanto, no exercício daqueles cargos é que se cometem as práticas que eventualmente podem ser objeto de processamento e julgamento pelo Supremo e pelos órgãos judiciais competentes”.
Dizer o quê?
Os três ministros deveriam renunciar a seus respectivos mandatos e se candidatar.
Se uma presidente do Supremo assiste muda a um ataque ao tribunal; se ignora que a questão de foro só pode ser tratada pelo Congresso; se aproveita a oportunidade para fazer proselitismo político e ainda tentar desmoralizar um colega…, trata-se, convenham, de uma postura política.
E é a barafunda política que ameaça engolfar o país.
E, desta feita, o Congresso reagiu à altura do ataque sofrido.
(...)
Não sei se notam, mas a proposta de Roberto Barroso têm um alvo: os políticos.
As outras autoridades, como juízes e procuradores, por exemplo, ficam de fora.
Pois bem: PEC já aprovada no Senado, que passou ontem pela CCJ da Câmara e será certamente aprovada pelo plenário simplesmente põe fim ao foro especial para todas as autoridades.
A proteção vai se restringir aos respectivos presidentes de Poderes e ao procurador-geral da República.
E acabou.
Não é o que querem?
O juiz de Xiririca da Serra do Mato Dentro poderá mandar prender um ministro de Estado.
“Ah, não é assim nos EUA?”
Não!
Até porque é outra a estrutura do Judiciário por lá. Cada Estado conta com três instâncias, e o espectro de atuação de um juiz federal é muito menor do que no Brasil, que, na prática, nunca foi uma federação.
Acreditem: pouca coisa vai mudar, teremos problemas novos e vão se multiplicar os conflitos de competência.
Aliás, a melhor coisa que se pode fazer no Supremo, nesta quinta, é alguém pedir vista de novo até que o Congresso termine a votação da matéria e discipline por lei — ele, não o STF — as condições do foro especial.