Sai Marx, entra Karl 26/11/2017
- Luís Antônio Giron - ISTOÉ
Karl Marx (1818-1883) ganhou fama em vida como o filósofo que defendeu a Comuna de Paris em 1871 em nome da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada por ele e correligionários socialistas.
Textos como o “Manifesto Comunista” (1848) e “O Capital’ (1867), até então de circulação restrita, passaram a chamar atenção mundial. Seus conceitos se popularizaram: luta de classes, mais-valia, alienação e materialismo histórico.
Marx, porém, não viveria para assistir ao auge da glória. Sua reputação póstuma resultou da criação de teóricos socialistas e líderes totalitários interessados em convertê-lo em modelo.
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Mesmo o marxismo, a doutrina que demonstraria cientificamente o colapso do capitalismo e a ditadura do proletariado, é uma teoria que Marx talvez não aprovasse.
Para evidenciar os equívocos do legado de Marx e estabelecer a verdade sobre a vida do cidadão Karl e de como elaborou seu pensamento, o professor inglês Gareth Stedman Jones escreveu em 2016 o livro “Karl Marx — Grandeza e Ilusão”, lançado pela Companhia das Letras.
“Meu objetivo foi restituir Marx a seu ambiente no século 19, antes de qualquer elaboração póstuma de seu caráter e suas realizações”, afirma.
O livro segue a onda de revisões de Marx, como no filme “O Jovem Karl Marx”, do diretor alemão Raoul Peck, a estrear no Brasil em 28 de dezembro, que traça um retrato idealista de Karl e do amigo Friedrich Engels.
BARISMO
Salta das páginas do livro uma figura surpreendente. Marx sai de cena para a entrada de Karl, o leitor dos clássicos, romântico e sonhador.
Seu trabalho como jornalista panfletário e ateu fez dele um inimigo da monarquia, o que lhe valeu a expulsão da Prússia natal e outros países, forçando-o a um exílio como apátrida em Londres, de 1849 até a morte.
Mesmo assim, nunca deixou de acreditar que conquistaria a eternidade como literato e de ostentar nobreza e riqueza.
Karl e seus sete irmãos nasceram em Trier, na Renânia, em uma família judia.
Mas foram batizados como protestantes porque seu pai, o jurista Heinrich Marx, ansiava em subir na escala social numa cidade de maioria cristã.
Karl foi incentivado a estudar Direito em Bonn e Berlim para manter o status, mas queria ser escritor e filósofo.
Em 1837, aos 19 anos, escreveu o romance humorístico “Scorpion und Felix” e dois volumes de poemas dedicados à noiva, a baronesa Jenny von Westphalen, com quem se casou em 1843 e teve sete filhos.
Seu exílio londrino é descrito por vários autores como miserável.
Mas, segundo Jones, ele e a família viviam em casas burguesas e mantinham ativa a vida social.
Karl ganhava bem como correspondente do jornal “New York Tribune” e, de acordo com amigos, ganhou dinheiro no mercado de ações.
Como chefe da Liga Comunista, que fundara em 1843 sob o nome "Liga dos Justos", recebia doações e exigia que fosse tratado como chefe político.
Ele morreu de problemas decorrentes da bronquite agravados por anos de alcoolismo.
No fim, entrou em depressão por causa da morte da mulher e da filha Jenny Carolina.
Suas últimas cartas a Engels expressam rancor em relação a exilados políticos que lucravam com a situção, além da crença de que revolução surgiria entre os camponeses.
Seu sistema de ideias — que não conseguiu completar — tinha pouco ou nada a ver com a mentalidade social-darwinista e a ação urbana dos revolucionários que o sucederam e o santificaram.