Em artigo, Huck se compara a Ulisses, da Odisseia, e desiste de candidatura 27/11/2017
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
A Folha publica nesta segunda um artigo de Luciano Huck em que o apresentador põe um ponto final à especulação sobre sua possível candidatura à Presidência da República. Não vai disputar. Pode, diz ele, colaborar com o Brasil de outro modo, estimulando os tais movimentos cívicos que estão indignados com os descalabros brasileiros.
Escreve ele:
“Vou trabalhar efetivamente para estruturar e me juntar a grupos que assumam a missão de ir fundo na elaboração de um pensamento e principalmente de um projeto de país para o Brasil. E, para isso, não são necessários partidos, cargos nem eleições.”
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Bem, não serei rigoroso a ponto de fazer o trecho valer por aquilo que está escrito, que não é bom.
É evidente, se me permitem o jogo necessário de palavras, que pulsa aí a repulsa à política, sentimento gerado pela ala porra-louca da Lava-Jato e que tanto mal tem feito ao país. E vai fazer ainda.
Está na raiz da expansão do “bolsonarismo”, que expressa a soma de várias ignorâncias, distintas e combinadas.
Se notaram, em pouco mais de uma semana, duas soluções aparentemente mágicas se esvaneceram: João Dória e o próprio Huck.
Falta agora que outro balão se esvazie, como quando a gente enche uma bexiga e solta no ar: Joaquim Barbosa.
Ainda há feiticeiros achando que dá para ele brincar de casinha com Marina Silva, ela como titular da chapa, e ele, como vice.
Mas sigamos com Luciano.
Eu não o sabia um apreciador dos clássicos, e as primeiras linhas de seu artigo me forneceram o único elemento que me teria feito olhar sua candidatura com alguma simpatia.
Ele dá a entender que conhece “A Odisseia”, de Homero.
Tomara que sim!
Em tempos de “fake news” e Google, é frequente encontrar o “fake reader”, o falso leitor.
Não tenho motivos para duvidar de que o apresentador e empresário saiba do que fala nesse particular.
Comparou-se a Ulisses, o “Odysseus”, personagem principal da epopeia, e citou passagem bastante conhecida mesmo por aqueles que ignoram o conteúdo da obra:
“Como Ulisses em “A Odisseia”, nos últimos meses estive amarrado ao mastro, tentando escapar da sedução das sereias, cantando a pulmões plenos e por todos os lados, inclusive dentro de mim. A tripulação, com seus ouvidos devidamente tapados com cera, esforçando-se em não deixar que eu me deixasse levar pelos sons dos chamados quase irresistíveis. São meus amores incondicionais. Meus pais, minha mulher, meus filhos, meus familiares e os amigos próximos que me querem bem.”
Pois é…
Eis o problema.
Com um pouco mais de humor, Luciano poderia escrever que a estatura física — Ulysses também era baixinho —, mais do que a história o aproxima do herói grego.
Ulisses não era um novato ou outsider nesse negócio de lutas, guerras etc.
Ele pertencia a uma turma que já havia feito, no universo das narrativas míticas, algo grandioso: derrotado Troia, também conhecida por “Ilion” — dai “A Ilíada”, o nome do outro poema de Homero, que narra a guerra.
Mas a evocação de “A Odisseia” acabou ficando torta, como evidencio.
Luciano Huck não pode se comparar a Ulisses porque este não apareceu, assim, do nada, não é?
A metáfora escolhida por sua vontade ou que lhe foi por outrem soprada ao ouvido não é nada lisonjeira com a política.
As sereias que cantam — das quais Ulisses tem de se proteger sendo amarrado ao mastro, e sua tripulação, tapando os ouvidos com cera — estão lá para retardar o desiderato do herói, para tentar impedi-lo de alcançar seu objetivo, que é voltar a Ítaca, a sua ilha.
Luciano presta um desfavor à formação dos brasileiros quando associa a política às sereias, como se tal atividade reunisse, então, apenas os ardilosos, aqueles que estão aí para seduzir no sentido mais negativo da expressão, para afastar os brasileiros de seu verdadeiro caminho.
Com a devida vênia, se sereias existem nessa história, elas surgem justamente na forma dos políticos que se dizem não-políticos e dos não-políticos que chegam à política para exercitar a não-política que é só uma forma de… política!
Ademais, candidato ou não, a verdade é melhor do que essa conversa de cerca-Lourenço: ele passou a se reunir, com frequência, com um grupo de políticos e, digamos, pensadores de sua candidatura.
Foi ele que passou a levar a coisa a sério.
Ninguém o fez em seu lugar.
Tanto é assim que, como vai no texto, foi preciso que o círculo familiar o demovesse.
Não faz sentido essa conversa de “Ah, sei lá, queriam que eu fosse candidato, e eu me pergunto por quê…”
Errado!
Luciano achou que poderia ser candidato, o que desestimulei vivamente numa coluna publicada na Folha, cujo título era este: “Luciano ajuda longe da urna; não pode ser nome palatável do medo de pobre”.
Escrevi, então, naquele texto:
“Notem que Luciano já é refém, ainda que involuntário, de 'Ozmercádus', como Doria foi um dia. É esse ente quem diz: 'Precisamos de alguém para enfrentar Lula ou o ungido de Lula'. Ou, como afirmou um desses gênios com os dois pés no chão e as duas mãos também, só ele poderia fazer o povão aderir à reforma da Previdência. O raciocínio embute a tese mentirosa de que a dita-cuja seria ruim para os pobres, mas que o apresentador poderia trapaceá-los, fazendo parecer coisa boa.”
Não tinha como dar certo.
Até porque não considero que Luciano estivesse movido por má-fé, mas apenas pelo equívoco.