BRASIL, PAÍS DOS SURTOS 23/12/2017
- JOSÉ MARIA COUTO MOREIRA*
O Brasil é, decididamente, o país dos surtos. Já os experimentamos de todos os gostos. Nosso primeiro surto foi a revolta da Inconfidência (cuja abrangência era o perímetro da serra ouro-pretana), que alucinou poetas, religiosos e militares, irados pelas exigências espoliativas sobre a colônia, cujo fim trágico direcionou o país para seu destino de nação 33 anos depois.
No passado, em surto glorioso, conseguimos abolir a escravidão, a maior crueldade que ainda aqui vigorava até 1888, depois de diatribes entre simpatizantes, de um lado o sempre inspirado brasileiro, patriota, parlamentar e diplomata Joaquim Nabuco, e, de outro, a burguesia manhosa, empenhada em atrasar nossa evolução civilizatória.
Outro quase movimento em que participaram o povo e grupos isolados – cada um ou cada grupo, com certeza, defendendo seus interesses - também teve o desfecho que já se impunha ao então Império do Brasil, sobrevindo assim a proclamação da República.
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A queda de Getúlio também se alinha ao surto da época, de denúncias vazias só visando o poder, cuja oposição, Lacerda à frente, resultou naquele inesperado tiro no Catete, até hoje relembrado e pranteado.
Mais tarde, a sociedade brasileira estava incomodada com a gestão política de João Goulart.
A opção pela esquerda e a anarquia estavam colidindo com a tradição da centro-direita e da disciplina militar, o que moveram capitães da política e generais das forças militares a marchar contra o Rio, afastando Jango em rápido episódio.
Outros surtos também surgiram, marcadamente o movimento pelas “Diretas já”, que soçobrou em plenário democrático, sem maiores estragos (senão a própria reafirmação do processo eleitoral indireto).
Todos estes episódios, foram manifestações públicas com algum ruído, porém não aconteceram como fruto de um planejamento, de uma estratégia construída para o fim, senão o protesto de um sentimento que irrompeu do peito dos brasileiros e foram, de certa forma, a gota dágua que transbordou de um copo cheio de amarguras e ressentimentos.
O episódio Collor foi o que mais se aproximou de uma revolta, de uma revolta calculada, até feroz, pela participação intensa da mídia, que se mostrou decisiva para um dia em que os cara-pintadas se mostraram corajosos, efetivamente revoltosos, reivindicando o que parece haver sido o início de uma reclamação coletiva geral, de exibido e sincero patriotismo, exigindo erradicação à corrupção, embrião que ganhou corpo com a lava-jato e com a parceria barulhenta do povo, de norte a sul.
Surge, agora, um novo surto, o da previdência. Acordou o governo para o rombo mensal, anual, da prestação de benefícios de pensão e aposentadoria.
Para a camada da população que recebe diretamente da Previdência, os eternos injustiçados, o surgimento de uma nova ordem nada altera.
Contudo, os servidores públicos civis e militares, pensionistas e aposentados, estes compõem a turma que na verdade depreda os esforços da previdência para o desejável equilíbrio.
O governo está diante desta fera desde 88, e nada fez, senão agradar a esta camada de privilegiados.
Uma viúva (viúvo) ou dependente receber mensalmente a bolada deixada pelo “de cujus”, no nível da última remuneração, é algo de mexicanização do erário, uma invenção teratológica, um ataque mortal ao tesouro, e chega a ser fascinante, tanto quanto sua expectativa é um consolo para os que ficaram.
O amado guerreiro Dr. Ulisses devia estar repousando quando o esperto constituinte introduzia esta armadilha na constituição cidadã.
Para este surto oficial aguarda-se o remédio prescrito há 30 anos: a reforma.