Por favor, Embrapa: acorde! 05/01/2018
- ZANDER NAVARRO*
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na maturidade dos seus 44 anos, tem sido corriqueiramente apresentada como um luminoso e excepcional caso na apodrecida constelação do Estado.
Seria uma das raras estrelas com algum brilho – a “joia da Coroa”. Destoaria da generalizada inoperância dos órgãos públicos. Seria eficiente e até supostamente organizada sobre rígidos cânones fundados no mérito.
Mais ainda, seria a principal responsável pelo sucesso da agropecuária, setor que, felizmente, vem salvando a nossa economia há anos.
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Mas esse é o senso comum. As afirmações são acompanhadas de rala comprovação e partem da visão superficial de uma sociedade que se deleita com o divertimento de enganar a si mesma. Um provável estratagema mental coletivo operado para escapar da assombrosa realidade que nos cerca.
Existem inúmeros resultados e fatos notáveis associados à organização no passado e, com justiça, precisam ser sempre exaltados.
Desafortunadamente, no entanto, a realidade atual é bem diferente.
A Embrapa custa US$ 1 bilhão anualmente aos contribuintes e emprega 10 mil empregados em (pasmem) 47 unidades espalhadas por quase todos os Estados. E vai criar mais uma em Alagoas.
Mas seu verdadeiro tamanho operacional é o de uma universidade federal de porte médio, como a do Paraná ou a do Rio Grande do Sul, se comparados seus pesquisadores e os professores, também pesquisadores, dessas instituições (em torno de 2,5 mil).
Com uma diferença crucial: as universidades também formam profissionais. Em cada uma delas, são pouco mais de cem cursos.
A Embrapa desenvolve pesquisa agrícola, sem cursos nem alunos.
E aqui começam os problemas. Não são recentes, surgiram desde o final da década de 1990, sem reação eficaz de seus dirigentes.
Sendo o espaço limitado, esboçam-se a seguir os quatro maiores impasses concretizados ao longo desse período.
Primeiramente, à luz das espetaculares transformações de um setor que rapidamente emerge como o principal produtor de alimentos do mundo, a Embrapa não se preocupou nem em entender essas mudanças, para achar um lugar virtuoso para si, nem ajustou como deveria a sua agenda de pesquisa às demandas crescentes da agropecuária.
Grandes empresas, normalmente multinacionais, ocuparam o seu lugar no fornecimento de tecnologias, nas principais cadeias do agronegócio.
Os 1,1 mil projetos ora em desenvolvimento ilustram a absurda e disparatada fragmentação do seu rol de pesquisas.
Não existem focos de prioridade.
É como se a empresa se tivesse transformado numa universidade, embora sem oferecer cursos.
E isso acontece porque a Embrapa não tem, de fato, nenhuma estratégia própria.
Sua missão institucional é uma vaga afirmação de inocentes noções.
O mantra atual é “entregar valor à sociedade”.
O que isso significaria?
É, na verdade, uma fuga da realidade.
Ante o desafio, seu presidente deveria esclarecer à sociedade a inquietante pergunta: afinal, para que serve mesmo a Embrapa, uma das raras estatais totalmente dependentes do Tesouro?
O segundo dilema foi a substituição de, acreditem, dois terços dos pesquisadores, por meio de concursos realizados em especial durante os anos petistas.
Em troca desse favorecimento, Lula envolveu a empresa na África, buscando votos para tentar a vaga no Conselho de Segurança da ONU e, também, eleger o chefe da FAO.
Houve a citada substituição de pesquisadores e hoje a Embrapa é dominada por uma nova geração, usualmente de extração urbana e escassos vínculos com a produção agropecuária e as realidades rurais.
Somados às centenas de cargos comissionados, os custos correntes explodiram e, por isso, nos últimos anos a proporção do orçamento destinada diretamente à pesquisa vem caindo para apenas 4% a 6% do total.
Os outros impasses são de natureza moral.
O terceiro é um fato estatístico gerador de amplas implicações.
A Embrapa, grosso modo, paga o dobro dos salários das universidades federais e suas pesquisas cada vez mais se afastam das demandas da produção.
Seus pesquisadores, inexistindo uma estratégia institucional, estão encurralados diante deste chocante dilema moral: como justificar seu bem remunerado trabalho, desenvolvendo conhecimentos de escassa aplicabilidade prática?
Uma comprovação: a Embrapa praticamente não realiza pesquisas econômicas, mas apenas com foco agronômico e tecnológico.
Como justificar essa bizarra orientação, quando a agropecuária é a mais decisiva atividade econômica em nossos dias?
Finalmente, o quarto impasse é também moral.
E simples de ser enunciado.
O desenvolvimento da agropecuária está fomentando uma impressionante concentração da riqueza (o que será reafirmado pelos dados do novo censo).
Como justificar que uma gigantesca e cara empresa pública, sustentada por toda a sociedade, trabalhe cada vez mais e quase que exclusivamente para os ricos segmentos do empresariado rural?
O ano entrante é decisivo para a Embrapa. Seu atual presidente será provavelmente substituído.
Não poderia estatutariamente ser reconduzido.
Haverá também a substituição do atual titular do Ministério da Agricultura, onde está alocada a empresa. E teremos eleições presidenciais.
Qual será o futuro da Embrapa? É um cenário imprevisível, para o qual a organização está despreparada.
Seu funcionamento interno é autoritário e não permite debater a situação e a construção de cenários plausíveis.
E existe enorme resistência da direção em promover as mudanças urgentes e necessárias.
Nenhum país do mundo com importância agrícola deixa de ter uma empresa de pesquisa pública forte e “encharcada na realidade”.
Nossos concorrentes estão correndo à nossa frente.
A Embrapa, no entanto, permanece adormecida em berço esplêndido, embalada pelos sonhos do passado.
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*Sociólogo e pesquisador em ciências sociais - e-mail: z.navarro@uol.com.br