A CONVERSA FIADA DA LIBERAÇÃO DAS DROGAS 10/01/2018
- PERCIVAL PUGGINA*
A relação direta de causa e efeito entre o consumo de drogas e a criminalidade gera, quase necessariamente, a ideia da legalização.
Seus defensores sustentam que se o consumo e o comércio forem liberados, a maconha, a cocaína, a heroína e produtos afins serão formalmente disponibilizados, inviabilizando a atividade do traficante.
Extinto o comércio clandestino, dizem, cessariam os lucros que alimentam o crime organizado e se reduziria o nível de insegurança em que vive a população.
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Muitos alegam, ainda, que a atual repressão agride o livre arbítrio.
Entendem que os indivíduos deveriam consumir o que bem entendessem, pagando por isso, e que os valores correspondentes a tal consumo, a exemplo de quaisquer outros, deveriam ser tributados para gerar recursos ao setor público e não ao mundo do crime.
A aparente lógica dos argumentos tem um poder muito forte de sedução.
No entanto, quando se pensa em levar a teoria à prática, surgem questões que já levantei em artigo anterior e não podem deixar de ser consideradas.
Quem vai vender a droga?
As farmácias?
As mesmas que exigem receita para uma pomadinha antibiótica passarão a vender heroína sem receita?
Haverá receita?
Haverá postos de saúde para esse fim?
Os usuários terão atendimento médico público e serão cadastrados para recebimento de suas autorizações de compra? O Brasil passará a produzir drogas?
Haverá uma cadeia produtiva da cocaína?
Uma Câmara Setorial do Pó e da Pedra?
Ou haverá importação?
De quem?
De algum cartel colombiano?
O consumidor cadastrado e autorizado será obrigado a buscar atendimento especializado para vencer sua dependência?
E os que não o desejarem, ou que ocultam essa dependência, vão buscar suprimento onde?
Tais clientes não restabelecerão fora do mercado oficial uma demanda que vai gerar tráfico?
A liberação não aumentará o consumo?
Onde o dependente de poucos recursos vai arrumar dinheiro para sustentar seu vício?
No crime organizado ou no desorganizado?
A Holanda, desde os anos 70 vem tentando acertar uma conduta que tolerância restritiva.
É proibido produzir, vender, comprar, e consumir drogas.
A liberação da maconha recuou 30 gramas para apenas 5 gramas nos coffeeshops, que acabaram sendo municipalizados para maior controle e diversos municípios se recusam a assumir a estranha tarefa.
Bélgica se tornou a capital europeia da droga.
Um plebiscito realizado na Suíça em 2008 rejeitou a liberação, mas autorizou trabalhos de pesquisa que envolvam a realização de estudos e testes com usuários de maconha.
O país, hoje, fornece, com supervisão de enfermagem, em locais próprios para isso, quotas diárias de heroína para dependentes...
O uso da droga, todos sabem, não afeta apenas o usuário.
O dependente químico danifica sua família inteira e atinge todo seu círculo de relações.
Ao seu redor muitos adoecem dos mais variados males físicos e psicológicos.
A droga é socialmente destrutiva, e o poder público não pode assumir atitude passiva em relação a algo com tais características.
"Qual a solução, então?", perguntou-me um amigo com quem falava sobre o tema.
E eu: “Quem pensa, meu caro, que todos os problemas sociais têm solução não conhece a humanidade”.
O que de melhor se pode fazer em relação às drogas é adotar estratégias educativas e culturais que recomponham, na sociedade, valores, tradições, espiritualidade, disciplina, dedicação ao trabalho, sentido da vida e vida de família, para fortalecer o caráter dos indivíduos e os afastar dos vícios.
Mas, como se sabe, é tudo intolerável e "politicamente incorreto".
Então, resta ampliar o que já se faz.
Ou seja, mais rigor legal e penal contra o tráfico, mais campanhas de dissuasão ao consumo, menos discurso em favor da maconha, menos propaganda de bebidas alcoólicas, e mais atenção aos dependentes e às suas famílias.
Alguém aí acredita que, legalizado o tráfico e vendidas as drogas em farmácia ou coffeeshops, todos os aparelhos criminosos estruturados no circuito das drogas se transmudarão para o mundo dos negócios honestos?
Que os chefões das drogas se tornarão CEOs de empresas com código de ética corporativa e política de compliance?
Que os traficantes passarão a bater ponto e terão carteira assinada?
Pois é.
...
*Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.