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O Outro Lado Porque tudo tem dois, menos a esfera.

O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Enquanto agonizo
14/02/2018 - PAULO DELGADO*

Ele se amontoa sobre o país. Hiperrealiza seus desejos, usa aliados como escória. Sem álibi, mandou o genro do compadre desqualificar a acusação, e deu errado.

Segue trabalhando mal o luto. Um voo tão alto, uma queda tão grande.

Revelou-se político de comodidade, tirou vantagem da desonestidade e alega princípios para abafar inconveniências. Chegou ao limite de querer aproveitar da própria decadência.


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Um grupo e ele saem do Fórum seguindo na direção do passeio. Embora vários do cortejo sejam mais altos e estejam à frente dele, qualquer pessoa que os observe do outro lado da rua pode ver a cabeça dele ultrapassando por uma cabeça a dos seus apoiadores.

Não é perspectiva, é subalternidade.

Lembra livro de Willian Faulkner, "Enquanto Agonizo", onde um pai brutal impõe a todos um enterro sem fim, não deixando a vida de ninguém fluir sem ter de pensar no seu egoísmo doentio.

A calçada, esturricada pelos pisões do povo e pedras soltas, segue reta como um fio de prumo até o pé do avião emprestado onde ele os deixará, indiferente aos terrenos resvalantes que o levaram a escorregar.

Antes de embarcar, mirando o dilúvio, determina: meu reino por minha vitimização, façam ferver o coração, vai ser longa a condolência. Preparem o caixão e, se der certo, enterrem, com a toga preta do Supremo, o princípio da igualdade de todos perante a lei.

Alguns aliados não aduladores sentiram que havia alguma coisa ruim.

Nem em silêncio era razoável aquela insensatez de celebrar como triunfo uma calamidade. Nem apropriado apiedar-se de um político mais que do povo.

Uns diziam que era anomalia necrológio de homem vivo; outros, que não se chama crime de perseguição; todos julgavam sinistro candidato cuja glória é ser condenado por mentir.

Ele estava se esvaziando rapidamente. Um tique nervoso, fruto de soberba banal, o levava a referir-se a si mesmo na terceira pessoa.

“Não há qualquer rival de ‘o líder’ em todo o firmamento.”

Era assim mesmo que se chamava, “o líder”, apelido privado que incorporou ao nome, marca da sua ambiguidade pública.

Como numa piada, arrumou advogado na ONU.

Sentia-se um país.

Não queria mais suar. Botaram na cabeça dele que se é vontade de Deus que as pessoas tenham opinião diferente sobre honestidade não cabe a ele discutir desígnios divinos.

Suas proezas entardeceram e começaram a alimentar uma ordem política incapaz de produzir valores sociais.

Vazio, deixou-se preencher pelo maior valor do mundo moderno, o ouro de tolo, que lambuza no presente a consequência do futuro.

Quando mais se encheu de medalhas, mas se esvaziou de ideias.

“A abundância de diploma acaba com o diploma”, alguém alertou, e foi expulso da sala. E uma pessoa vazia na política não é mais um político.

Enchendo-se de autoelogios e fúria, logo ele não sabe se é ou não é, ou que é que de fato é.

Saiu do trilho, aumentou necessidades, até que as dádivas deram por conhecidos seus favores.

Enfraqueceu a autoridade por seu abuso e o hábito de confundir poder com relação e intimidade.

No mundo das decisões apressadas, dissimulações, das interdições sobre as quais ninguém tem domínio, da liberdade irresponsável de ser o que você quiser ser, a transgressão percebeu a melhor das convergências.

Com a autoridade participando, o erro ganha mais velocidade.

Seu talento para a evasão o tornou conhecido como aquele político “veloz estruturador de negócios e soluções”.

Logo que recebeu a resposta da carta enviada aos brasileiros donos de banco, escrita em inglês, percebeu que pecado-salvação é mera questão de palavra.

Harmonizou-se com a parceria de talentosos ocultadores de intenções para montar as ladainhas, a lenga-lenga a que deu o nome de política de governo.

Quando a Justiça abriu a porta dos seus transtornos desesperadores, ele já havia caído na mais sedutora armadilha da política atual, o dinheiro fácil, e não quis reconhecer o que fez.

Saiu em desespero para pagar a promessa de 40 anos atrás.

Mas sem dizer o que deveria ter dito ao juiz – o que o deteria na certeza de que alcançar seu objetivo primordial de ser respeitado, ser alguma coisa nova, é que compunha seu élan vital – pressupôs que a condição de vítima evitaria o caminho da desmoralização.

Ele voltou a suar, como se estivesse espumando, feito um cavalo desembestado, convocou adoradores, dependentes, para a velha modalidade de ação heroica – camisa de partido, candidatura, comício, farisaísmo – na tentativa desesperada de incinerar a sentença e botar fogo na pavorosa jornada da Justiça de ousar apontar o dedo para quem sempre fez o que quis e nunca foi tão adequadamente contrariado.

Quando ouviu “estamos aqui e você tem de lidar conosco”, percebeu que escondera dos amigos o que os inimigos já sabiam.

Falhou em grandeza, foi-se a profecia.

Quem dera fosse capaz de suportar o sucesso com mais honestidade e a adversidade com mais autocontrole.

Um partido de esquerda moderno e com capacidade de diálogo deve parar de tratar de forma errada o erro.

E reconhecer que um período de governo com um presidente deposto, três ex-presidentes da Câmara, senadores e inúmeros ministros de Estado presos ou processados, dirigentes partidários e governadores confinados ou envolvidos, a maior empresa do País dilapidada, a autoridade olímpica nacional presa, o bilionário do período encarcerado, a Copa investigada, fundos de pensão arruinados, o BNDES um clube de amigos, grandes empresários condenados, frugal intimidade com ditadores, etc., não foi um período virtuoso.

O que “o líder” quer é o refluxo da identidade perdida, fugir da responsabilidade confinado na condição de perseguido.

Pelo alto, espalha simulacros de habeas corpus, certo de que a Justiça dos privilegiados prevalece e o ressuscita, como Lázaro.

Por baixo, mantém agitada a agonia, seguro de que a manipulação do povo reabsorve a desordem que ele criou e a dissolve na sociedade até sumir sua autoria.

...

*Sociólogo, é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio-SP. E-mail: contato@paulodelgado.com.br


  

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