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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA
Supina burrice ou má-fé
17/02/2018
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO

De todas as boçalidades ditas sobre a intervenção na área de segurança pública do Rio, a mais assombrosa é a que sugere que, agora, o presidente Michel Temer tem uma boa desculpa para deixar de lado a reforma da Previdência, já que ela vem se afigurando difícil, talvez impossível de ser aprovada.
Mal sei por onde começar a tratar da burrice — ou da vigarice analítica.
O próprio presidente abordou a questão na entrevista exclusive que concedeu a este escriba no programa “O É da Coisa”.
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Vamos lá.
Segundo dispõe o Artigo 60 da Constituição, esta não pode ser emendada na vigência de intervenção federal num estado.
Ora, como romper o que parece, então, um impasse?
Afinal, o país precisa da reforma da Previdência; o Rio, por outro lado, vive um caos na segurança pública.
Com efeito, o país não pode ficar paralisado por causa da crise no Estado, mas o Estado não pode ficar à mercê da bandidagem porque o país precisa da reforma.
Na entrevista, o presidente lembrou duas coisas importantes.
A Constituição proíbe aprovação de emenda durante a intervenção, mas não impede o Congresso de trabalhar em favor de uma proposta.
Os debates não precisam ter fim.
Que fale o presidente:
“Eles [Rodrigo Maia e Eunício Oliveira] vão examinar, ao longo desta semana, da outra semana, a possibilidade de votar a reforma da Previdência. Se chegarem, e chegarmos todos, à conclusão de que há os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência, o que é que eu faço? Eu faço cessar a intervenção. E aí, naturalmente, se retoma a possibilidade de votação da emenda à Constituição. A meu modo de ver, como a Constituição diz que ela não pode ser emendada durante a intervenção federal, não significa que não possa haver discussão. Emendar significa pôr um dispositivo novo na Constituição. Mas a discussão, as considerações a respeito disso, pode ser feita. O que não se pode é votar e depois colocar isso na Constituição. (…) Uma coisa não prejudica a outra. São duas coisas emergentes: a questão da reforma da Previdência, fundamental para o país, e a questão do Rio de Janeiro, igualmente emergente, porque tem repercussão não só no Rio, mas em todo o país. Então vamos conservar esses dois valores: de um lado, a intervenção; de outro lado, a possibilidade de continuar examinando [a reforma].”
Muito bem! Digamos que o governo consiga os 308 votos e que o presidente faça cessar a intervenção.
Não se sabe quando isso pode acontecer.
E se os problemas de segurança do Rio continuarem a pedir a intervenção.
Bem, nada impede que ela seja decretada novamente, é claro, mas o presidente chamou a atenção para um outro aspecto de seu entendimento com o governador Luiz Fernando Pezão:
“Está combinado com o governador que, se eu cessar a intervenção em função da votação da Previdência, ele mantém a estrutura que foi montada pelo interventor e o próprio interventor. Então está combinadíssimo com o governador. Então eu acho que nós encontramos uma solução intermediária muito útil para o Rio de Janeiro e para o país”.
TUDO ÀS CLARAS
Como se vê, não há nada sendo escamoteado.
Aprovar a reforma da Previdência não ficou nem mais fácil nem mais difícil com a intervenção.
O ato impede a votação, mas não o trabalho político em favor da emenda.
“Ah, se o presidente admite que, para votá-la, pode suspender a intervenção, então esta não era assim tão necessária”.
Trata-se de um raciocínio asnal.
Faz supor que uma necessidade elimine a outra.
Apelarei a medicina, com um caso em voga, para demonstrar a estupidez de tal raciocínio.
Pacientes que estejam se tratando com corticoides não devem tomar a vacina contra a febre amarela.
Digamos que um médico decida, por um tempo, suspender o tratamento com os corticoides para que o paciente seja devidamente imunizado.
Mais tarde, oportunamente, retoma-se o tratamento com a droga se necessário.
Segundo o raciocínio asinino, os corticoides, então, eram dispensáveis já que sua ministração foi suspensa para que o paciente pudesse tomar a vacina.
Não ocorre a esse raciocínio que tem os dois pés no chão e as duas mãos também que as duas coisas podem ser necessárias: os corticoides e a vacina — vale dizer: a reforma da Previdência e a intervenção federal.
Ocorre que pode haver uma incompatibilidade temporal entre uma coisa e outra: a reforma e a intervenção (o corticoide e a vacina ).
Faz parte da boa política e da boa medicina conciliar as necessidades, de sorte que não se precise abrir mão nem de uma coisa nem de outra.
INVENCIONICE
É incrível!
Especialistas em direito, mas com viés ideológico evidente — verdadeiros gatos escondidos com o rabo de fora… — têm a cara de pau de sugerir que o presidente Michel Temer atropelou o Conselho da República, que deveria ter sido consultado antes da decisão.
É mentira!
É um insulto à Constituição!
É um despropósito.
A intervenção federal nos estados está entre os atos privativos do presidente da República, conforme estabelece o Inciso X do Artigo 84 da Constituição.
Se esses bobocas que saem por aí a falar pelos cotovelos não sabem o que quer dizer “privativo”, eu lembro: quer dizer, no caso, “exclusivo”; significa que quaisquer outras pessoas estão impedidas de tomar aquela decisão.
É bem verdade que a nomeação de ministros de Estado (Inciso I do mesmo Artigo) também está entre as competências privativas do chefe do Executivo, embora a ministra Cármen Lúcia tenha metido o bedelho no caso.
Pena ela não se ocupar de alguns atos que são privativos da presidência do Conselho Nacional de Justiça e que poderiam colaborar para diminuir a violência no país.
Ah, sim: a presidente do CNJ, embora ela pareça não se lembrar, é Cármen Lúcia.
A Constituição diz o que é e qual é a função do Conselho da República, regulamentado pela Lei 8.041.
Define o “caput” do Artigo 89:
“O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República”.
Entenderam?
Trata-se de um órgão consultivo.
O presidente não precisa pedir autorização ao dito-cujo para tomar decisões que lhe são PRIVATIVAS.
Fosse assim, decretar a intervenção seria um ato privativo do… Conselho da República.
O Artigo 90 define a função do Conselho:
“Art. 90. Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre:
I – intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio;
II – as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas.”
O conselho de pronuncia, mas não decide.
Há mais: como ele é um órgão consultivo do presidente, ele só se reúne se este o convocar, como define o Artigo 5º da Lei 8.041:
“Art. 5º - O Conselho da República reunir-se-á por convocação do Presidente da República.”
Em suma, o único que pode criar obstáculo à intervenção é o Congresso Nacional.
E só para que nada escape.
Há ainda o Conselho de Defesa Nacional, cujas composição está no Artigo 91 da Constituição:
I – o Vice-Presidente da República;
II – o Presidente da Câmara dos Deputados;
III – o Presidente do Senado Federal;
IV – o Ministro da Justiça;
V – o Ministro de Estado da Defesa;
VI – o Ministro das Relações Exteriores;
VII – o Ministro do Planejamento.
VIII – os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica
Segundo o Inciso II do Parágrafo 2º do Artigo, a este conselho compete “opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal”.
De resto, Temer praticamente reuniu o dito-cujo, embora não seja um mandamento constitucional: só ficaram faltando os ministros do Planejamento e das Relações Exteriores.
Os comandantes militares estavam em perfeita sintonia com o presidente e com o ministro da Defesa.


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