Ao acolher por 4 votos contra 1 um pedido de habeas corpus coletivo impetrado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), com apoio das Defensorias Públicas da União, do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro, a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu a todas as gestantes, lactantes e mulheres com filhos com até 12 anos de idade o direito de converter em prisão domiciliar a prisão preventiva cumprida numa unidade penal.
A medida, que não atinge as presas condenadas pela Justiça, é prevista pelo Código de Processo Penal, de 1941, e pelo Marco da Primeira Infância (Lei 13.257), de 2016. Mas, até agora, só era aplicada em casos excepcionais.
Com a decisão do STF, ela passa a ser regra. Isso porque os integrantes da 2.ª Turma estabeleceram o prazo de 60 dias para que todos os tribunais do País cumpram essa determinação.
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A decisão só não beneficia as presas grávidas e as mães de crianças com até 12 anos de idade que cometeram crimes mediante violência ou grave ameaça. Nesses casos, os juízes de Varas e Câmaras criminais terão de fundamentar a não conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar e informar o Supremo.
A decisão da 2.ª Turma da Corte foi provocada pelo caso de Jéssica Monteiro, jovem pobre e negra que foi presa com 90 gramas de maconha.
Apesar de não ter passagem pela polícia, ter entrado em trabalho de parto depois da audiência de custódia e ter sido trancafiada numa cela insalubre do 8.° Distrito Policial do Brás, a Justiça não autorizou a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, encaminhando-a para a Penitenciária Feminina da capital após o parto.
O caso chocou várias correntes de opinião pública, uma vez que, pouco antes, o Supremo concedera habeas corpus à advogada Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral, acusada de lavagem de dinheiro e ocultação de bens obtidos com recursos ilícitos, concedendo-lhe prisão domiciliar sob a justificativa de ter dois filhos menores, um de 11 e outro de 15 anos.
Criticou-se, então, o tratamento desigual dado às duas mulheres com condições financeiras distintas, exigindo-se coerência e tratamento isonômico pelas diferentes instâncias do Judiciário.
A 2.ª Turma do Supremo fez prevalecer o bom senso e o ideal de justiça. A decisão beneficia 622 mulheres presas grávidas ou em fase de amamentação, segundo dados coletados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em dezembro de 2017 e divulgados em janeiro de 2018.
Além disso, essa decisão tem dois outros aspectos importantes.
Do ponto de vista formal, ela abriu um precedente pois, como lembram promotores e defensores públicos, essa foi a primeira vez em sua história que o Supremo acolheu um pedido de habeas corpus coletivo.
Do ponto de vista do mérito, a decisão abre caminho para a revisão do tratamento dado à prisão temporária, que constitui uma das principais causas da superlotação do sistema prisional.
Dos 726 mil presos, 40% estão aguardando julgamentos que não têm data marcada para serem realizados.
Penalistas e criminólogos afirmam que a conversão das prisões temporárias em prisões domiciliares é condição necessária – ainda que não suficiente – para a superação dessa crise, mas muitos juízes criminais se opõem a esse entendimento.
Agora que os dados do CNJ e do Ministério da Justiça revelam que, dos 1.478 estabelecimentos penais do País, só 34% têm celas adequadas para gestantes e só 32% das unidades femininas têm berçários, a decisão da 2.ª Turma do Supremo mostra que o Judiciário finalmente se conscientizou da gravidade do problema da superlotação carcerária e começou a mudar de entendimento – ao menos em relação a esse segmento da população carcerária.
A valorização da prisão domiciliar, pela mais alta Corte do País, é tão importante quanto o resgate da dignidade das gestantes, lactantes e mães presas com filhos até 12 anos.