Lula já pode separar a escova de dente 10/03/2018
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já pode preparar a escova de dente. Será preso em breve. Cármen Lúcia, presidente do Supremo, cedeu à pressão dos que pretendem ver o petista no xilindró e não pautou nem para o mês de abril as duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade que pedem que o tribunal reconheça a presunção de inocência até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória — como, diga-se, está na Constituição — nem o habeas corpus preventivo impetrado pela defesa de Lula.
O TRF-4 já emitiu sinais de que terá celeridade recorde também na resposta aos embargos de declaração, o que pode acontecer ainda neste mês de março. Aí virá a cadeia.
Condenado pelo tribunal a 12 anos e um mês, começará a cumprir a pena em regime fechado.
PUBLICIDADE
Ministros podem levar ao pleno, sem autorização prévia de Cármen, habeas corpus de outros condenados, o que forçaria uma rediscussão sobre a jurisprudência, mas, ainda assim, a eficácia seria duvidosa, uma vez que não se trata de ação de efeito vinculante.
A única chance de Lula não ser preso daqui a pouco estava mesmo na votação, antes da execução provisória da pena, do HC preventivo ou nas ADCs. E isso não vai acontecer.
Todos sabem que a divulgação com tanta antecedência da pauta do mês vindouro não é a regra no Supremo.
Ao fazê-lo, Cármen Lúcia evidencia que não cede a pressões dos petistas.
No momento, ela só cede a pressões do antipetistas.
A coisa toda tem lá a sua ironia patética.
Ela só está no tribunal porque, em 2006, quando presidente, Lula perguntou a Sepúlveda Pertence, então ministro do STF e hoje seu advogado, se ele tinha em mente o nome de alguma mulher para a função.
E Sepúlveda se lembrou, então, de uma prima sua que havia sido procuradora-geral do Estado de Minas no governo Itamar Franco.
O parentesco e a forma de indicação renderam à atual presidente do Supremo o apelido de “Prima Carminha”.
O Brasil ficou sabendo, então, de sua existência a partir daquele ano.
Pressão para o STF votar e para não votar?
Bem, não lido com esses critérios.
Nem Prima Carminha deveria fazê-lo.
O ministro Marco Aurélio, relator das ADCs, liberou-as para votação em dezembro.
Em decisão recente, o ministro Edson Fachin, relator do habeas corpus preventivo de Lula, negou a liminar, mas remeteu o pedido para o pleno.
Logo, se as matérias fossem pautadas, Cármen estaria apenas cumprindo a sua obrigação.
Evitar a votação sob o pretexto de que não se deixa pressionar por um dos lados da contenda corresponde, aí sim, a ceder à pressão do outro lado.
E, é claro, isso não depõe a favor da ministra.
Há uma outra óbvia má consciência embutida nessa resistência: houvesse a certeza de que o resultado seria contrário à pretensão de Lula, quem de vocês duvida de que a questão já teria sido pautada para este março?
Até porque, nesse caso, não haveria polêmica nenhuma.
E Cármen não precisaria temer por sua reputação.
Ela só está evitando a votação porque há a suspeita — certeza, ninguém tem — de que o tribunal possa, na apreciação das ADCs, reafirmar o que vai no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
E por que Lula já pode preparar a escova de dente e o pijama (é permitido na cadeia? Não sei…)?
Ora, ainda que o TRF-4 não libere neste março os embargos de declaração, é certo que, de abril, não passará.
Como a prima já deixou claro que não pautou a matéria, parece não haver saída para o petista.
Que se regozijem os que acharem que é bom para o Brasil e para o processo político que um ex-presidente que hoje seria eleito para um terceiro mandato vá para a cadeia quando há na corte suprema do país três ações que poderiam, ao menos, retardar essa prisão para depois do pleito.
Porque também não tenho dúvida sobre uma outra questão: ainda que Lula venha a ser beneficiado pela, como vou chamar?, “revalidação” do princípio constitucional da presunção de inocência ou pelo habeas corpus, a minha dúvida é zero sobre a recusa do STJ em rever, em qualquer medida, a pena que lhe foi aplicada.
Na verdade, as ações que estão no STF podem, quando muito, retardar a prisão.
Isso não quer dizer, reitere-se, que foi condenado com provas — e me refiro apenas ao caso do tríplex de Guarujá.
Todo advogado que já leu denúncia e sentença sabe que as provas não estão nos autos.
Mas assim decidiu a Justiça.
Essa é a decisão da Justiça.
EFEITO ELEITORAL
Qual será o efeito eleitoral da prisão de Lula?
Difícil de estimar.
E se vier a ser solto depois?
Idem.
Já escrevi aqui e reitero: será o acontecimento mais importante dessa fase da pré-disputa depois que ficou claro que ele não poderá concorrer.
Note-se que amplas fatias do eleitorado ainda não desistiram de seu nome.
O evento tem força o bastante para levar a uma união das esquerdas a depender de como o PT responda politicamente ao acontecimento.
É inédito na história do país e das democracias — até onde sei — que um nome que conte com o apoio de quase 50% do eleitorado, no caso da disputa de segundo turno, esteja recolhido à prisão.
A aposta dos adversários do PT é que a cadeia levará ao divórcio entre Lula e o eleitorado.
Há uma enorme possibilidade de que essa hipótese se frustre e de que ele permaneça como a voz individual mais influente do pleito.
Que brasileiro pode se dar por satisfeito que um presidiário tenha tanto poder numa disputa que se segue a uma fase de recuperação da economia, depois de o país ter mergulhado na pior recessão de sua história?
Só um tarado moral, estupidamente irresponsável, pode se regozijar com isso.
Sim, a Lava Jato e suas heterodoxias estão empurrando Lula para a cadeia.
Mas essa mesma Lava-Jato se encarregou, como se sabe, de ressuscitar Lula eleitoralmente.
CÁRMEN E SEUS PARES
Uma vez recolhido Lula à prisão, crescerá a pressão para que o Supremo vote as ações que estão paradas no tribunal.
Ao não pautar as matérias, a presidente da Certe, Cármen Lúcia, resolveu constranger seus pares com uma espécie de fato consumado, buscando intimidá-los.
Cumprisse a sua obrigação, correria o risco de ser vista pelo antipetismo e pelo antilulismo como aquela que facultou ao ex-presidente a chance de adiar a prisão — na hipótese, claro!, de que o tribunal assim entendesse por maioria.
Com o petista na cadeia, Cármen — que é favorável à execução antecipada da pena — testa se colegas seus têm o couro duro o bastante para arcar com a pecha de “aqueles que soltaram Lula”.
O conjunto da obra é muito pouco edificante.
Notem: não sei o que fará a maioria do Supremo nesse caso.
Na hipótese de reiterar o exotismo de que a execução provisória não fere a presunção de inocência, uma vez preso, preso Lula ficaria sem haver mais apelo (a não ser aquele próprio à ultima instância) — afinal, nesse caso, é certo que o habeas corpus também seria rejeitado.
Ocorre que existe, sim, a chance de a maioria decidir o contrário, o que implicará a libertação do petista depois de passar algum tempo na cadeia.
A menos que Prima Carminha pretenda jogar as três ações no arquivo morto…