Empurrando a História 23/03/2018
- SAMUEL MALHEIROS*
Empurrar a História não parece tarefa ao alcance muitos mortais. Pois essa é a homérica incumbência que o ministro Luiz Roberto Barroso atribui aos ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme se pode ler em seu livro “A Judicialização da Vida”, publicado há dois meses.
Na visão do ministro, o Supremo desempenha um papel de “vanguarda iluminista”, a esparzir a luz da razão na solução dos problemas da nação, “quando promove avanços sociais que ainda não conquistaram adesão majoritária, mas são uma imposição do processo civilizatório”.
É nesses casos que os ministros do Supremo estarão “empurrando a história”. O difícil é encontrar na Constituição semelhante atribuição.
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A Constituição define como atribuição precípua do Supremo a guarda da própria Constituição.
Quando se aventur a em interpretações claramente conflitantes com a Constituição , faz logo lembrar a figura do guardião infiel.
Um exemplo entre muitos foi o do ministro Levandowski no episódio do impeachment no Senado.
Há exemplos do próprio Barroso.
Atentemos ao nome: Supremo Tribunal, não Supremo Poder da República.
Em artigo de imensa repercussão publicado na Folha de S. Paulo de 28/1/18, o professor Conrado Hubner Mendes, da USP, identifica nessa pretensão iluminista “o ápice da mistificação”, e prefere denominá-la “vanguarda ilusionista”, ao invés de “vanguarda iluminista”.
O ministro Barroso também atribui ao Supremo um papel contramajoritário, pelo qual protegeria as minorias contra os abusos da maioria.
Na prática o que tem acontecido é que partidos minúsculos minoritários tornaram rotina recorrer ao Supremo sempre que vêem frustradas suas pretensões diante de maiorias que, por definição, têm mais votos.
Por último, segundo Barroso, o Supremo teria uma função representativa, sempre que suas decisões se acham em consonância com o sentimento da maioria da população.
Eis aí claro desvio do sentido da representação política, que se adquire através do voto.
Haverá, então, representantes, representados, mandato e função representativa.
O Supremo não recebe mandato para decidir em nome da população. Não tem, portanto, função representativa.
O Supremo não tem legitimidade democrática, que é obtida através do voto.
O Supremo tem apenas legitimidade constitucional, pois seu poder não vem diretamente do povo, mas sim da Constituição.
Portanto, a compulsão legiferante de seus ministros assume claros ares de usurpação.
Toda essa pretensão vem envolta no belo rótulo de neoconstitucionalismo.
Entretanto ela abre caminho para decisões erráticas e arbitrárias.
A pretensão de ser o portador da razão vem sendo desmentido por gritantes violações da letra da Constituição, praticadas pelos ministros do Supremo, individualmente e como colegiado.
A paixão iluminista exagerada levou à entronização da Deusa Razão no altar da catedral de Notre Dame
Empurrar a história?
É oportuno lembrar Madison, um dos três grandes autores de “O Federalista”:
“Não se nega que o poder é, por natureza, usurpador e que precisa ser contido”.