Os juros e os desafios de 2019 28/03/2018
- O ESTADO DE S.PAULO
Clareza tem sido uma qualidade cada vez mais presente na comunicação do Banco Central (BC), desde o ano passado. Mas, apesar disso, há algo intrigante, pelo menos à primeira vista, na ata da última reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom).
Ajustes e reformas - como a da Previdência - são apontados como fundamentais para a sustentação de um ambiente de inflação baixa e estável e, portanto, para a redução dos juros estruturais da economia.
Mas, além de fundamentais, serão também urgentes?
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Por quanto tempo será possível conduzir a política econômica sem a implementação de mudanças tão importantes?
Não há resposta a essas questões, embora o texto mencione projeções de inflação para 2018 e também para 2019, o primeiro ano do futuro mandato presidencial.
Questões desse tipo estão longe de ser acadêmicas.
Especialistas apontam o risco de rompimento do teto de gastos a partir deste ano, se a reforma da Previdência continuar engavetada.
O estouro desse limite pode ser evitado sem grande malabarismo em 2018, mas o próximo presidente encontrará um desafio nada desprezível.
Ele terá, tudo indica, dificuldade tanto para preservar o teto quanto para respeitar a regra de ouro, isto é, a proibição de endividar o Tesouro para cobrir despesas de custeio.
Os dois perigos estão dentro do chamado horizonte relevante da política monetária e são relacionados com o grau de avanço - ou de atraso - dos ajustes e reformas.
Esse atraso é apontado na ata como fator de risco para a estabilidade de preços e, portanto, para a manutenção de uma política monetária propícia ao crescimento da economia.
Há quatro referências ao tema, em diferentes momentos da ata.
Mas nenhuma palavra sobre urgência ou sobre a herança fiscal destinada ao próximo governo.
No mercado, como nos documentos do Copom, esses detalhes são abandonados, por enquanto, como se fosse irrelevante insistir, neste momento, em questões politicamente complicadas e sem perspectiva de solução neste ano.
A vida continuará, segundo se espera, depois das eleições e do réveillon, e os problemas das contas públicas permanecerão, provavelmente agravados.
Talvez se volte a discuti-los na campanha eleitoral, mas hoje nem isso parece garantido.
Até agora, a boa surpresa da inflação bem abaixo da meta favorece uma política monetária suave.
O aumento de preços tem sido inferior ao previsto.
Esse detalhe foi realçado em declaração recente do presidente do BC, Ilan Goldfajn, e tem sido mencionado nas explicações distribuídas pelo Copom.
Diante do cenário benigno, os membros do comitê decidiram baixar os juros básicos de 6,75% para 6,50% ao ano e indicaram, ainda, a possibilidade de mais um corte na reunião de maio.
Isso dependerá da permanência de algumas condições adicionais, como o ambiente externo favorável.
O quadro internacional poderá mudar se o Federal Reserve, o banco central americano, apressar a elevação dos juros ou se o protecionismo do presidente Donald Trump afetar seriamente o comércio internacional.
Os dois perigos são mencionados, embora sem referência explícita a nomes de políticos e de países.
Se ainda houver um corte de juros na próxima reunião, será provavelmente o último deste ciclo, exceto, talvez, se a inflação continuar muito longe da meta.
Interrompido o ciclo de afrouxamento, o comitê deverá "avaliar os próximos passos, tendo em vista o horizonte relevante naquele momento".
Pelo menos umas poucas previsões parecem seguras, neste momento, até por serem quase óbvias.
Terão maior visibilidade nesse horizonte as eleições deste ano e os desafios de 2019, em grande parte associados ao atraso do programa de ajustes e reformas.
Além disso, um novo ministro comandará a Fazenda, se Henrique Meirelles, como se indicou nos últimos dias, se afastar no começo de abril para cuidar de um projeto eleitoral.
Será possível, a partir daí, continuar deixando de lado, nas avaliações, decisões e mensagens do Copom, a questão da urgência dos ajustes e reformas?