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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Mais um rei nu
01/04/2018 - J.R. GUZZO - VEJA

Vamos pensar um pouco, com calma, para ver se dá para entender melhor o que está acontecendo na frente de todo o mundo.

O ex-presidente Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a pouco mais de doze anos de cadeia ─ crimes mais graves do que fazer um apontamento de jogo do bicho, por exemplo, e que por isso têm de ser punidos com pena de prisão fechada, segundo o que está escrito na lei.

Lula foi condenado a nove anos e meio, num primeiro julgamento, pelo juiz Sergio Moro, da 13ª. Vara Criminal Federal de Curitiba, em 12 de julho do ano passado ─ após quase dez meses de depoimentos, perícias, exame de provas e contra-provas, exigências sucessivas dos advogados e mais todos os etcs., de uma ação penal iniciada contra ele em setembro de 2016.


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Foi uma sentença de 218 páginas, fundamentada em cerca de 1.000 itens, na qual foram ouvidas 99 testemunhas, das quais 73 apresentadas pela defesa.

Até aqui, tudo dentro da lei e das garantias devidas ao réu, certo? Certo.

Lula apelou da sentença, então, para o estágio superior seguinte, o TRF-4 de Porto Alegre.

Ali foi julgado em 24 de janeiro deste ano por três desembargadores, condenado de novo, por 3 a 0, e sua pena foi aumentada para doze anos no xadrez.

Recorreu em seguida para o degrau acima, o STJ de Brasília, onde sua reclamação foi julgada por cinco ministros; perdeu outra vez, agora por 5 a 0.

Voltou, enfim, ao mesmo TRF-4 que já tinha lhe socado 12 anos no lombo, e perdeu mais uma ─ foram outros 3 a 0.

Resumo da peça: o ex-presidente está se defendendo desde setembro de 2016 e não teve, até agora, um único voto a seu favor. Foi zero, zero e zero, mais a sentença inicial de Moro.

O que seria preciso, ainda, para se chegar à conclusão que Lula é um criminoso condenado pela Justiça e teria de ir para a cadeia? Mais nada. Não para a cabeça de uma pessoa normal.

Eis aí porque a situação que se vive no momento é perfeitamente incompreensível, mesmo pensando com toda a calma.

É um jogo que está pelo menos em 9 a 0, já passou dos acréscimos e só não acaba porque Lula não quer que acabe.

O Supremo Tribunal Federal e os políticos, em peso, ficam agachados diante do homem, tratando de servi-lo ─ ou com medo de suas ameaças.

Qual é o problema dessa gente?

O direito de defesa para o réu foi assegurado plenamente desde o primeiro minuto do processo; pouquíssimos brasileiros, salvo amigos seus como um desses Odebrecht ou Joesley, que têm bilhões para gastar com advogados, jatinhos, peritos, computadores, pesquisas, caravanas de “apoio” e por aí afora, conseguiriam ter uma defesa tão completa e tão cara quando Lula teve até agora.

Dizer que é preciso respeitar a “presunção de inocência” até “prova em contrário”, como repetem seus despachantes no STF, é simplesmente uma piada ─ ou, mais exatamente, uma tentativa alucinada de fazer você de palhaço.

É óbvio que todo acusado é inocente até prova em contrário ─ mas só até prova em contrário.

Uma vez feita a prova, o réu deixa de ser inocente; passa a ser culpado.

Na Justiça de qualquer país civilizado do mundo, a sentença, a certa altura, é a prova.

Afinal, alguma autoridade, à uma hora qualquer, tem de dizer se as provas apresentadas até então valem ou não valem; do contrário, nenhum processo acabaria nunca, em lugar nenhum do planeta.

No caso de Lula, a prova foi feita quando o que se chama “segunda instância”, ou o TFR-4 de Porto Alegre, decidiu que a sua condenação estava fundamentada por fatos.

Fim de jogo.

Ele ainda pode continuar apelando, mas teria de fazer isso na prisão.

É assim nos Estados Unidos, em toda a Europa, no Japão: uma vez condenado em segunda instância, o sujeito vai para a cadeia.

Faz todo o sentido.

No Brasil, menos de 1% de todas as sentenças confirmadas em segunda instância são modificadas, depois, em algum tribunal superior.

Esse tumulto em torno de Lula só existe porque a suprema corte de Justiça do Brasil decidiu governar o país como uma junta de ditadura; manobra para ele ser declarado, na prática, impune por qualquer crime passado, presente ou futuro.

Querem fazer em favor de Lula o mesmo que o regime militar fez em favor do delegado Sergio Fleury, do DOPS de São Paulo, em 1973: condenado como torturador, ganhou o direito de apelar em liberdade pela “Lei Fleury”.

Os donos do STF conseguem, a cada dia, ficar mais parecidos com a “corte suprema” da Venezuela, que torna legal tudo o que os gangsteres do governo mandam que seja legalizado.

São, em seu conjunto, mais um rei nu neste país.


  

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