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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Piores momentos
08/04/2018 - J.R. GUZZO - VEJA

Tudo em que Lula encosta a mão, já há muito tempo, fica estragado na hora.

Neste seu momento de desgraça, quando não podia mais evitar a prisão e sua única saída era tentar manter a cabeça erguida, fez o contrário – baixou a cabeça e acabou entrando na cadeia como um homem pequeno.

Teve a oportunidade plena de fazer alguma coisa mais decente.


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Foi ajudado pela gentileza extrema da Polícia Federal e demais autoridades encarregadas de cumprir a ordem judicial, que lhe deram todo o tempo do mundo para preparar uma apresentação às autoridades que tivesse um pouco mais de compostura.

Foi tratado com uma paciência que não está à disposição de nenhum outro brasileiro.

Teve o privilégio de uma “negociação” sem pé nem cabeça para se entregar, como se o cumprimento da ordem dependesse da sua concordância.

Mas acabou, apenas, estragando tudo.

Conseguiu tornar a sua biografia, que já está para lá de ruim, ainda pior – este capítulo da sua ida para o xadrez, condenado a doze anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, concorre, certamente, para ser um dos piores da sua triste passagem pela política brasileira.

O PT, a esquerda em geral e o próprio Lula imaginavam, talvez, uma despedida com mais cara de cinema, ou pelo menos de novela de televisão.

O problema, como sempre acontece, é que esses planos bonitos exigem coragem para ser colocados em prática.

E onde encontrar coragem, na hora de enfrentar a dureza?

Nada de Salvador Allende e de sua heroica resistência até a morte, no Palácio de La Moneda em Santiago do Chile, onde enfrentou à bala a tropa do exército chileno que veio prendê-lo.

Allende?

Imaginem.

O que o brasileiro viu pela televisão, durante as vinte e tantas horas de tumulto que se seguiram ao prazo concedido para o ex-presidente se apresentar à prisão, foi um homem confuso, vacilante, amedrontado, tentando pequenas espertezas – nada que lembrasse um líder em modo de “resistência”.

Uma hora parecia querer uma coisa. Dali dez minutos estava querendo o contrário.

Sua “trincheira” durante as horas que antecederam a prisão, o prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, não era uma trincheira de verdade.

Entravam engradados de cerveja, sacos de carvão e carne para churrasco.

E que trincheira é esta, que só resiste porque a tropa do outro lado não aparece?

Lula, mais uma vez, ficou fingindo que queria briga – mas amarelou, como sempre, na hora em que teria mesmo de ir para o pau.

O único gesto do ex-presidente e o seu entorno foi aproveitar a moleza da polícia encarregada de prendê-lo para dar a impressão de que ele se “recusava” a ser preso.

Não se recusava coisa nenhuma – só ficou entocado dentro do prédio porque a Polícia Federal não foi buscá-lo.

Que valentia existe nisso?

O que houve de verdade, na vida real, foi o arrasta-pé de um político assustado, sem ação e obcecado com a própria pele, escondendo-se atrás da moita para ver se a confusão passa e ele pode sair ao céu aberto.

As últimas horas que Lula passou em seu esconderijo, antes de tomar o avião que enfim o levou já preso para Curitiba, deixaram claro, também, que nem ele e nem toda a estrutura do seu partido tinham a menor noção do que estavam fazendo.

Não tinham um plano, A, B ou C. Não tinham uma única ideia a respeito do que fazer. Não tinham nada. Até a última hora, na verdade, não imaginavam que fosse expedida, realmente, uma ordem de prisão contra ele; não conseguiam acreditar, simplesmente, no que estava acontecendo.

Lula e o PT contavam, isto sim, com os escritórios de advocacia milionários que iriam salvá-lo no STF.

Contavam com um Marco Aurélio, Lewandovski ou Gilmar Mendes para dar um golpe de última hora no tapetão.

Contavam com qualquer coisa – menos a ordem de prisão que acabou por levá-lo ao xadrez da Laja Jato.

Na hora que a realidade teve de ser encarada, entraram em parafuso.

O final desta comédia foi uma tristeza.

Durante um dia inteiro, e a maior parte do dia seguinte, um bolinho de gente ficou em volta do sindicato — era o apoio popular que foi possível juntar.

Às vezes, nas imagens aéreas da televisão, parecia uma concentração mais encorpada.

Mas assim que o helicóptero se afastava um pouco ficava claro que a mobilização do povo brasileiro para defender Lula era só aquele bolinho mesmo – em Mauá, por exemplo, a quinze minutos dali, não havia um único manifestante à vista.

Nem em Santo André, ou São Caetano, ou no resto do Brasil.

A população estava trabalhando.

No carro de som, falando para si próprios, sucediam-se dinossauros velhos e novos, de Luisa Erundina a Manoela D’Ávila, gritando coisas desconexas.

Ninguém, ali, tinha qualquer relação com o mundo do trabalho.

Nem na plateia, formada por sindicalistas, desocupados ou professores que faltaram ao serviço, com a coragem de quem não pode ser demitido do emprego.

Dentro do prédio Lula limitou-se a não resolver nada, cercado por um cardume de puxa-sacos e mediocridades.

Não havia, na hora máxima, ninguém de valor, mérito ou boa reputação em torno dele – só os serviçais de sempre, gente que sabe gritar, sacudir bandeira vermelha e atrapalhar o trânsito, mas não é capaz de ter uma única ideia ou fazer uma sugestão que preste.

Como o nosso grande líder de massas pode acabar cercado, numa hora dessas, por figuras como Gleisi Hoffman e Eduardo Suplicy?

Muita coisa, positivamente, deu muito errado.

O heroísmo da “resistência” de Lula acabou limitado à agressão de um infeliz que despertou a ira dos “militantes” e foi surrado até acabar no hospital com traumatismo craniano.

Ou à depredação no prédio da ministra Carmen Lucia em Belo Horizonte, mais pixações aqui e ali.

Quanto ao próprio Lula, o que deu para verificar é que a soma total de suas ações no momento de ir para a cadeia resumiu-se a empurrar as coisas com a barriga até a hora de entregar os pontos — depois de fingir que “não estava conseguindo” se render por causa de um tumulto barato encenado pela turma que cercava o sindicato.

Esperou escurecer para não ser preso à noite, no dia seguinte inventou uma espécie de missa, um discurso que não acabava mais, um almoço “com parentes” e, por fim, armou a farsa do tal bloqueio dos portões de saída por parte dos seus “apoiadores”, o que o “impediria” de se entregar.

Chegou ao limite extremo da irresponsabilidade, mais uma vez – e só quando não deu para continuar fazendo a polícia de idiota, como fez durante dois dias seguidos, embarcou no camburão da PF, e depois, no avião rumo à Curitiba.

No tal discurso, com frases mal copiadas de Martin Luther King, chegou a dizer que é a favor – isso mesmo, a favor – da Lava Jato, depois de passar os últimos dois anos fazendo os ataques mais enfurecidos contra a operação anti-corrupção.

Agora, na hora de ir para a cadeia, diz que é contra a roubalheira, e que só está preso por causa “da imprensa” – o que, além de falso, é mais uma demonstração de que está cuspindo no prato no qual tem comido há anos.

Afirmou, enfim, que estava indo para a “prisão deles”.

Mentira.

Não é prisão deles.

É do Brasil inteiro e do sistema legal que ainda existe por aqui.

A história está cheia de políticos que crescem com a própria prisão. Não foi o caso de Lula.


  

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