Ao me perguntarem sobre o time para o qual torço, costumo ser bastante “ecumênico”, cuidando para não melindrar nenhuma camisa, pois na Igreja Católica há torcedores de todos os clubes.
E respondo: como bispo, eu devo obedecer à Bíblia, onde se encontra uma ordem divina explícita: “Sede santos, porque eu, vosso Deus, sou santo!” (Levítico 11,44; 20,7).
E assim tento convencer meus interlocutores que não me cabe escolha. E ainda acrescento, sem constrangimento: isso deveria valer para todo bom cristão!
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Torcidas à parte, o papa Francisco fez publicar agora em 9 de abril, o belo documento Gaudete et Exsultate (Alegrai-vos e Exultai).
É uma exortação apostólica, gênero de texto mediante o qual o pontífice apresenta orientações aos católicos e a todas as pessoas “de boa vontade” sobre alguma questão específica.
Neste caso, trata da santidade.
A Igreja ensina, de fato, que a vida cristã é um chamado a ser santos.
Alguém poderia perguntar: há nisso algo de relevante para um mundo que padece de tantos males, sofre pela falta de justiça, respeito e tolerância?
Isso é relevante para a humanidade, que tem sede de paz, mas continua a promover a guerra, não consegue assegurar uma vida digna para todos nem erradicar a pobreza e a fome, embora haja disponibilidade de bens para isso?
Se todos buscassem a santidade, algo mudaria no mundo?
Não ficariam as pessoas a olhar apenas para o céu, esquecendo-se do próximo e dos problemas ao seu redor?
Ao falar de santos, talvez pensamos logo em andores transportados em procissão, fumaça de velas queimando diante de estátuas, petição de milagres e graças especializadas a tal ou qual santo...
Se assim pensamos, somos convidados pelo papa Francisco a rever nossos conceitos de santo e santidade.
No conceito cristão e católico, a santidade refere-se a uma profunda sintonia e comunhão com Deus, ao respeito e à obediência aos seus mandamentos.
E o respeito a Deus leva à valorização da pessoa humana e da natureza, vistas como obras de Deus.
O papa Bento XVI ensinou que as leis da natureza contêm uma espécie de gramática que devemos aprender a ler e decifrar para conhecermos o desígnio de Deus presente em cada uma de suas obras.
Os santos são grandes respeitadores e admiradores da obra de Deus.
A santidade verdadeira manifesta-se necessariamente na dimensão social do viver e do agir humanos, no amor ao próximo, nas relações de justiça, respeito e solidariedade por toda pessoa.
Não há santo cristão que não tenha sido praticante de intensa caridade, compaixão e misericórdia.
No ensinamento cristão, amor a Deus e amor ao próximo são inseparáveis.
O papa Francisco lembra que o amor ao próximo não precisa ser extraordinário, mas vivido nos pequenos gestos de todos os dias.
Por isso ele exorta: não é necessário afastar-se das ocupações quotidianas para se dedicar à busca da santidade, como se ela estivesse fora do alcance do comum dos mortais.
Todos são chamados a ser santos:
“És uma consagrada ou um consagrado a Deus?
Sê santo, vivendo com alegria a doação de tua vida.
Estás casado?
Sê santo amando teu marido, ou a tua esposa, como Cristo amou a Igreja.
És um trabalhador?
Sê santo cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho a serviço dos irmãos.
És um progenitor, avó ou avô?
Sê santo ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus.
Estás investido de autoridade?
Sê santo lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais” (n.º 14).
O papa lembra que a santidade cristã se inspira nas bem-aventuranças do Evangelho (cf Mt 5,1-12) e no amor ao próximo (cf Mt 25), vividos em grau máximo pelo próprio Jesus.
Portanto, ser santo não equivale a ser estranho ou alheio ao mundo ou à sociedade.
Nem leva a desertar de um intenso compromisso social.
Certamente a santidade requer um comportamento marcado pelas virtudes mais enaltecedoras: além do amor ao próximo, retidão, justiça, honestidade, temperança, paciência, compaixão, generosidade, solidariedade...
Uma vida moral de qualidade faz do santo um cidadão de bem, promotor da paz e de muita bondade no convívio social.
Que diferença, pois, fazem os santos para o mundo e para a solução de seus problemas?
Fazem toda a diferença!
Oxalá fôssemos todos santos!
Cessariam as guerras, a violência, toda forma de injustiça e desrespeito contra a pessoa.
O dinheiro público seria bem aplicado, não haveria mais pobres nem doentes sem serem socorridos.
As cadeias poderiam ser fechadas, a polícia teria de reorientar seu trabalho, os estádios seriam lugar de diversão sadia e pacífica, a indústria de armas seria transformada em fábrica de instrumentos de trabalho, os arsenais de munições seriam depósitos de alimentos...
As mídias sociais seriam usadas para o bem de todos, as crianças poderiam brincar, sem o risco de serem molestadas, em todas as esquinas e praças da cidade.
E o mundo seria uma casa segura e boa para toda a família humana.
Estarei sonhando alto demais?
Poderia parecer.
Mas posso afirmar que isso não é para anjos, nem está fora do alcance dos humanos.
Os santos não são mitos idealizados pelas nossas utopias: são pessoas reais, de carne e osso.
Muitos viveram a santidade, até mesmo em grau heroico.
E também hoje há muitos santos.
Fora da vida santa, o que teríamos a propor como referências altas para a vida?
Quais outros ideais poderiam nortear a educação dos filhos e o bom convívio social?
A afirmação pessoal a qualquer custo?
As vaidades, que criam frustrações?
O medo?
A sede de bens, fonte de tantas injustiças e tantos sofrimentos?
Em tempos de crises e desorientação geral quanto aos valores que devem nortear a vida pessoal e social, o papa Francisco recorda: ser santos, eis a grande proposta.
Isso é profundamente humano e está ao alcance de todos.