Quando a mais alta instância judicial do País emite sinais contraditórios sobre a interpretação da Constituição e das leis e não consegue sustentar por muito tempo as decisões que toma, impera a insegurança jurídica.
Sem que o Supremo Tribunal Federal seja claro a respeito da interpretação que faz das leis, e que obrigatoriamente serve de parâmetro para todo o Judiciário, inviabilizam-se a democracia e o desenvolvimento nacional.
No lugar do império da lei, vige a vontade de alguns funcionários, pois prevalece a presunção de que, a depender de quem julga, o que vale hoje pode não valer amanhã.
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É essa a advertência mais importante a se extrair do embaraçoso comportamento da Segunda Turma daquela Corte anteontem, quando decidiu soltar o ex-ministro José Dirceu.
Condenado a 30 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o petista José Dirceu cumpria pena na Penitenciária da Papuda, em Brasília, desde que sua sentença foi confirmada pela Justiça Federal em segunda instância – condição que, segundo entendimento consolidado no Supremo, permite o início da execução penal.
No entanto, ao analisar pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de José Dirceu, a Segunda Turma, por 3 votos a 1, entendeu que o ex-ministro tem o direito de aguardar o julgamento de seus recursos em liberdade.
O desfecho contraria o que foi decidido pelo plenário do Supremo em abril, quando, por 6 votos a 5, se reafirmou a interpretação sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância e, em vista disso, foi rejeitado um habeas corpus para o ex-presidente Lula da Silva.
Essa contradição foi corretamente ressaltada pelo ministro Edson Fachin ao emitir seu voto vencido na sessão da Segunda Turma.
“Reputo no mínimo inconveniente que essa Segunda Turma produza julgamento destoando do plenário”, afirmou o ministro.
Os votos que prevaleceram na sessão foram dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, relator do pedido de habeas corpus de José Dirceu.
Alguns desses magistrados frequentemente manifestam críticas à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, num inconformismo que os leva a considerar que a decisão do plenário a respeito desse tema, na qual foram voto vencido, não tem valor.
Esse comportamento tem graves consequências para o País, pois consolida a sensação de que o Supremo Tribunal Federal é uma loteria – a depender do ministro ou da Turma que cuidará do processo, a decisão respeitará muito mais as convicções pessoais e políticas dos magistrados envolvidos do que a jurisprudência do tribunal.
Um exemplo disso é a tramitação do mais novo recurso da defesa do ex-presidente Lula – muito semelhante ao pedido feito pela defesa de José Dirceu, que, entre outras coisas, questionava a dosimetria da pena e a prisão do réu após condenação em segunda instância.
No caso de Lula, contudo, o ministro relator, Edson Fachin, preferiu enviar o pedido para o plenário – evitando, assim, que caísse na mesma Segunda Turma que mais tarde livraria Dirceu.
Ou seja, foi necessária uma manobra de um dos ministros para impedir o risco de afronta à jurisprudência do Supremo para favorecer o chefão petista – com consequências imprevisíveis para a próxima eleição presidencial e para o futuro do País.
Esse clima de confronto descaracteriza o Supremo Tribunal Federal como o garante da aplicação isenta da lei e como fonte primária de jurisprudência.
Ali tem predominado um feroz embate político que faz da Constituição tábula rasa, onde pode ser escrita qualquer coisa que atenda a este ou àquele interesse, seja partidário, seja corporativo, em detrimento do interesse público.
Não se discutem mais conceitos ou doutrinas, e sim conchavos e maquinações, que ora favorecem o arbítrio dos cruzados anticorrupção, ora presenteiam corruptos condenados com a procrastinação infinita de seu castigo.
Espera-se do Supremo que seja a referência máxima do respeito ao Estado de Direito, pilar da democracia, mas hoje, a julgar pelo que se vê, há razoáveis dúvidas sobre se alguns de seus ministros estão realmente à altura desse chamamento.