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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Despi minha camisa amarela e saí por aí
14/07/2018 - DANTE COELHO DE LIMA*

Atirei-a a um canto, pus pra lavar. Se daqui a quatro anos eu ainda estiver por aqui, entre os mortais, volto a tê-la como segunda pele.

André, meu filho, olho rútilo, quis ir logo pra casa. Lá terá amargado a derrota, quem sabe até inspiradora, entre suas telas, pincéis e tintas, dando cores mais vivas e geométricas à vida.

Scotch, meu cachorro, sempre alvoroçado nos dias de jogos do Brasil, sossegou o rabo. Envergou, com estoicismo e resignação, a mal-ajambrada (para ele) camisa verde e amarela que eu lhe enfiei no corpanzil peludo. E agora dormita pelos cantos da casa.


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Parodiando a mais bela das marchinhas da conquista de 1970 (Marcos e Paulo Sérgio Valle), não vou mais, como todo brasileiro, passar o dia inteiro entre flâmulas, faixas e bandeiras coloridas.

Na noite seguinte ao desastre, o sono foi agitado, povoado por milhões de diabinhos (vermelhos) a martelar meu pobre coração que, em agonia, já não podia mais de tanta dor, como disse o Mestre Lupiscínio.

Nas cadeiras do Paraíso do Flamengo e outros bares e botecos do bairro, por onde vaguei, olhares vítreos e bovinos grudavam-se nos telões que mostravam a festa flamenga dos belgas.

Silêncio paradoxalmente ruidoso.

Sim, naquilo que o silêncio da dor tem de ruidoso, que nos ensurdece a alma.

Silêncio quebrado apenas por uma solitária e estridente vuvuzela tristemente soprada por um torcedor certamente distraído.

Nos copos, só restou a cerveja choca, momentos antes gelada e promissora, com a qual agora se empurra goela abaixo o travo amargo da derrota.

Derrota é incógnita permanente na equação do esporte. E da vida, claro.

Difícil crer que alguém em sã consciência possa estar preparado pra ela, “de tanto não a desejarmos nem a admitirmos”, como já disse Drummond.

Nem o Ibis Sport Clube, o pior time do mundo; muito menos o “escrete húngaro do Armando Nogueira”.

E nem, por certo, a seleção canarinha.

Afinal, o canário acabou sendo o belga que lá gorjeia, mas não gorjeia como cá.

O apito final de Sua Senhoria, naquele gesto implacável de apontar para o centro do campo, decretou no Diário Oficial da vida da gente, quem tinha sido nomeado para as portas do paraíso e quem desceria para as profundezas incandescentes do inferno astral do futebol, onde, para mais humilhação, habitam os adversários diabos vermelhos.

Não há, contudo, que deixar sem esperança aqueles que lá entram, como no Pórtico da Inferno dantesco, pois afinal os tropeços na vida podem ser instrumentos de redenção, de regeneração e de depuração da alma.

E, por isso, vamos combinar que, uma vez cessado o desassossego da alma, decantado nosso pranto e secadas nossas lágrimas, a derrota há de converter-se em tempo de retomar o sentido da verdadeira dimensão da vida.

Já faz tempo que deixamos de padecer do complexo de vira-lata, que um dia pretendeu impregnar nosso ego nacional, como gostava de dizer Nelson Rodrigues.

A Copa do Mundo de 2018 acabou para nós, mas é vida que segue para o Brasil e sua gente, com suas dores, seus males e seus valores.

Não foi assim, em outras tragédias nacionais, como no maracanazo de 1950 e no traumático 7×1 de 2014? Ou no Sarriá em 1982, quando nosso algoz Paolo Rossi matou o jogo bonito do Telê?

E em 1986, quando um Zico, ainda em recuperação, recém entrado no jogo, e nem bem aquecido, bateu com um peteleco o pênalti nas mãos do francês Bats?

A decisão daquele jogo por pênaltis é oura história.

E que dizer de 1990, quando Dunga e a nossa defesa não conseguiu desferir um único e salvador pontapé nas canelas do Maradona, que o impedisse de servir nossa cabeça em bandeja de ouro ao Caniggia?

Fernandinho também poderia ter feito o mesmo com o decisivo contra-ataque que decidiu o jogo contra os belgas, né?

Agora, é hora de resgatar nossa autoestima do sumidouro das cavernas trevosas onde foi parar, como se resgata do negrume de grutas tailandesa um time mirim de futebol.

Não deixar que a perplexidade da derrota e o sentimento de frustração se transformem em elementos de desencanto para nosso povo, inclusive diante das eleições de outubro.

Na história do bem e do mal, o sol há de brilhar mais uma vez.

A luz há de entrar nos corações. (Nelson Cavaquinho)

...

Dante Coelho de Lima é diplomata.

  

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