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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A democracia no chão
09/09/2018 - J.R. GUZZO - VEJA

A democracia no Brasil, se quisermos dizer a verdade em voz alta e sem perder tempo com muito palavrório, está valendo cada vez menos hoje em dia.

Esqueça essa conversa de que “as instituições estão funcionando”, ou que a democracia brasileira já “está adulta”, ou que “não há mais lugar para aventuras autoritárias” no mundo do século XXI.

As instituições não estão funcionando coisa nenhuma. A democracia no Brasil pode estar adulta, mas sua idade mental no momento é de 3 anos.


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Quanto à falta de espaço para regimes não democráticos no mundo de hoje — bom, aí já dá vontade de rir.

Se há alguma coisa que existe de sobra neste planeta, nos dias que correm, é terreno para montar qualquer espécie de ditadura — ditadura sob medida, até, em vários modelos e estilos, de classe econômica a première platinum plus.

E o que sobrou de democracia no Brasil — quanto tempo ainda dura até ir para o espaço?

É difícil dizer.

Pode demorar um tanto mais, um tanto menos.

Para a maioria dos brasileiros, tanto faz — estão pouco ligando para o assunto, e quando ligam é para torcer contra.

Mas parece certo que os demais, os que se dizem democratas ou ganham a vida nos cargos, funções e atividades que a democracia fornece, estão contribuindo o máximo que podem para que tudo vá o mais breve possível para o raio que o parta.

É claro que estão em vigor os direitos e liberdades mais comuns, e isso precisa de uma ordem democrática para existir.

Você pode tomar um ônibus de São Paulo a Goiânia, por exemplo, sem pedir licença a ninguém.

Pode falar mal do governo quanto quiser.

Pode ir à igreja da sua preferência, ou não ir.

A polícia não pode prender uma pessoa sem mandado judicial e é obrigada a fazer um boletim de ocorrência se lhe roubarem alguma coisa.

Para tirar um cidadão da casa onde mora, é preciso uma sentença de despejo.

Você tem o direito (e a obrigação) de votar, de chamar a ambulância do SUS e de assistir às sessões da Câmara de Deputados, no espaço reservado ao público.

Você é dono da Petrobras, do Banco do Brasil e da empresa criada em 2012 para construir o trem-bala, sem contar os canais de transposição das águas do São Francisco, a TV Brasil e a Esplanada dos Ministérios.

Mas não são essas coisas que estão faltando na democracia brasileira.

O que lhe falta, e põe sua existência cada vez mais em risco, é a lógica comum.

A democracia neste país, hoje, é uma geringonça sem pé nem cabeça — e coisas sem pé nem cabeça raramente têm um grande futuro pela frente.

Honestamente: como é possível o país ter democracia e, ao mesmo tempo, ter o ministro Edson Fachin, um dos onze monarcas que hoje se sentam no Supremo Tribunal Federal?

Ou se tem uma coisa ou a outra.

Todo mundo sabe que não pode existir democracia em lugar nenhum sem que haja plena segurança jurídica — ou seja, sem a expectativa de que a lei será aplicada conforme está escrita e dentro de um entendimento racional, todas as vezes que for necessário e de maneira igual para todos.

Mas o ministro Fachin é o que se poderia chamar de insegurança jurídica ambulante — é o contrário, justamente, do que um regime democrático precisa.

Onde está a lógica?

Dias atrás, num voto no tribunal eleitoral, Fachin passou duas horas inteiras torturando o português, a razão e a lei brasileira com um alarmante teorema em favor da insanidade.

Sim, dizia ele: não há nenhuma dúvida legal de que o ex-presidente Lula é inelegível.

Mas uma força superior, segundo nos disse, anula a lei nacional.

Que força seria essa? Deus?

Não: dois sujeitos que fazem parte de um comitê de dezoito consultores da ONU em direitos humanos.

Eles não têm nenhum poder funcional — não são a Corte Internacional de Haia, a Agência de Energia Atômica de Viena ou a Assembleia-Geral.

Não têm existência jurídica.

Não julgam nada nem decidem nada; só dão pareceres, e acharam que Lula tem o direito de se candidatar à Presidência.

Mas só dois, entre dezoito, resolveram isso?

Só dois.

Ouviram os dois lados — os advogados de Lula e o Ministério Público brasileiro?

Não.

Só ouviram o lado de Lula.

O que decidiram representa uma posição oficial?

Não; isso eles só vão dar no ano que vem.

Em suma: é uma insânia, e por isso mesmo o tribunal eleitoral negou por 6 a 1 o pedido de Lula.

O espanto é que tenha havido esse 1 a favor — o voto de Fachin.

Nada do que ele disse fez o mais remoto sentido.

E se os dois consultores tivessem decidido que o Brasil deveria invadir o Peru, por exemplo, ou restaurar a monarquia?

Fachin acha que a gente seria obrigado a obedecer, sob pena de ficar na ilegalidade internacional.

Se um ministro da nossa Suprema Corte defende um negócio desses, não é possível ter a menor confiança em nada do que o homem venha a decidir.

Argumentou-se, é claro, que ele não é sempre assim; ao contrário, tem votado de maneira sensata.

Mas aí é que está o problema: ele pode surtar a qualquer momento, sem avisar ninguém, e dar outro voto igual a esse — e não há absolutamente nada que se possa fazer a respeito.

Insegurança jurídica é justamente isso.

Outra coisa: Fachin não teria direito à sua opinião pessoal?

Não desse jeito, da mesma maneira que você não pode dizer: “Na minha opinião a Terra é quadrada”.

Isso não é opinião nem democracia.

É esquisita, nessa e em outras histórias similares, a ligeireza com que se aceita o espetáculo do circo pegando fogo.

Os ministros se acharam na obrigação de cumprimentar Fachin pelo seu “brilhante voto”; ele, por sua vez, achou “brilhantes” os votos dos seis colegas que massacraram cada palavra que disse.

Todos acharam igualmente “brilhante” a chicana de terceira categoria, amarrada com barbante, que a defesa armou com essa comissão da ONU.

Brilhante por quê, se é um completo disparate?

Tudo isso causa a pior impressão.

Nossos mais altos tribunais de Justiça parecem hoje montepios de ajuda mútua, em que a solidariedade entre os sócios se pratica através da puxação automática e perene de saco.

Asinus asinum fricat, poderiam dizer uns aos outros — não são eles que gostam tanto de socar latinório em tudo o que falam, para o público não entender nada?

Pois então; eis aí um pouco de latim para verem se está ao seu gosto.

O STF, por sinal, é o retrato vivo de uma democracia na UTI.

Cada ministro, entre outros espantos, conta com a assistência individual de um funcionário (salário de até 12.000 reais por mês, mais horas extras, chamado “capinha”) que lhe puxa a poltrona na hora de sentar à mesa.

Pode uma coisa dessas?

Nem a rainha Elizabeth II tem um serviço assim — possivelmente, não existe nada parecido em nenhum outro lugar do mundo.

Os ministros acham isso normal, como acham normais seu recente aumento de 16% nos salários diante de uma inflação anual de 4%, seus privilégios materiais, seus dois meses de férias por ano, sua aposentadoria com vencimentos integrais e por aí afora.

Isso é simplesmente desigualdade — e como acreditar numa democracia na qual a maior corte de Justiça vive abertamente com direitos individuais de seus ministros superiores aos dos cidadãos que julgam?

Pior: se o Judiciário está assim, imagine-se o resto.

Isso não é democracia — é um arranjo provisório, que só fica de pé porque ninguém ainda se organizou para jogar tudo no chão.


  

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