Recluso, Lula perdeu o pulso das ruas; não se deu conta de que Bolsonaro havia capturado o antipetismo 15/10/2018
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
É claro que o PT paga o preço de uma estratégia, e eu já tratei do assunto aqui, que teve a sua eficácia, mas que deixou sequelas.
O partido misturou dois domínios que deveriam ter permanecido separados: o da eleição e o do processo contra o ex-presidente Lula.
Foi uma escolha, que fique claro!, do próprio Lula.
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Preso na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, o líder petista está distante da temperatura das ruas e certamente não recebeu o briefing adequado do que ia pelos bares e breus das tocas, como diria o esquerdista Chico Buarque.
Jair Bolsonaro há muito já havia capturado os corações curtidos no antipetismo.
Boa parte desses capturados repudia o PT por bons motivos. Ou que fale, então, o desastre a que Dilma Rousseff, uma das escolhidas de Lula — para estupefação, à época, de muitas lideranças do partido — conduziu o país.
Mais: a mesma Lava Jato que encarcerou Lula havia devastado não apenas a reputação do PT, que, convenham, resistiu com poucas escoriações na comparação com outras legendas.
A política como um todo foi reduzida a quase cinzas. E o “capitão” vinha se oferecendo havia pelo menos dois anos como o porta-voz dessa indignação.
Fosse a política apenas um conta de chegada até a disputa seguinte, Lula teria escolhido o caminho mais razoável, que lhe foi oferecido por Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e senador eleito pelo Estado.
Se o objetivo fosse “vencer a direita ou a extrema-direita”, então o partido poderia ter-se aliado a Ciro Gomes (PSB), e as chances de sucesso seriam certamente maiores.
A pauta de Ciro não era tão distante da pauta petista; ele não teria de responder pelo enorme passivo que o partido sabia ter; não se teria a crítica fácil de que o candidato estava sendo manipulado ou conduzido por um presidiário, e o combate a Bolsonaro certamente teria sido antecipado — afinal, os petistas demoraram a perceber o tamanho do risco.
Não foi só o PSDB que apostou que o seu candidato poderia fazer frente a Bolsonaro. Também os petistas apostaram nessa possibilidade. Mas isso não aconteceu. E a facada tornou tudo mais difícil.
Se o PT sabe que está morto como projeto hegemônico — e está —, não podia abrir mão de manter a hegemonia da esquerda — ou, ainda melhor, das esquerdas.
Ciro sempre foi leal ao partido nas alianças políticas, desde a vitória de Lula, em 2002, mas tinha vida própria e não era um deles.
Entre vencer a direita ou a extrema-direita, mas sendo eventualmente reduzido ao papel de coadjuvante, e correr o risco de perder, mas seguindo protagonista na vida pública, ainda que liderando a oposição, Lula escolheu o segundo caminho.
Assim, os que se sentem constrangidos, estarrecidos ou amuados que seja Bolsonaro a liderar um dos polos da opinião têm de lembrar que assim as coisas são porque o PT fez uma escolha.
E, por óbvio, há uma legião de não-esquerdistas — liberais, sociais-democratas, democratas ou simplesmente amantes da civilidade política — que não se sentem contemplados pelo bolsonarismo e que lamentam que o PT tenha pensado primeiro em seu próprio protagonismo.
Ou por outra: essa espécie de frente ou movimento antifascista com que o partido acena no segundo turno — embora evite tal nome, no que faz bem porque é conversa de iniciados — deveria ter sido efetivada no primeiro turno.
Lula era a fortaleza do PT — e a aposta se mostrou correta. Mas também era, e seus índices de rejeição já o indicavam — a sua fraqueza.
Quando o TSE declarou a sua inelegibilidade, ainda vencia todas as simulações de segundo turno, mas quase metade do eleitorado dizia não votar em alguém que ele indicasse.
Outra quase metade afirmava que o faria ou poderia fazê-lo. A transferência de votos se deu de modo, vamos convir, espetacular.
Em três semanas, Fernando Haddad saiu do quase nada para disputar o segundo turno e obteria, ainda que derrotado por Bolsonaro segundo as simulações feitas até agora, mais de 40% dos votos válidos.
Se, no entanto, o viés não mudar, esses votos não serão suficientes para vencer o candidato do PSL.
A vitória inicialmente buscada, qualquer que fosse o adversário, está assegurada. A questão agora é o que vai acontecer com o país.
O ideal, nesta eleição como em qualquer outra, é que houvesse debate de propostas entre os candidatos.
A simples menção ao tema, no entanto, já é considerada pelo eleitorado de Jair Bolsonaro como escolha de um lado.
Afinal, debater para quê?
A resposta óbvia não serve: para que saibamos quais são as propostas de cada um.
Parece óbvio que, garantidas as condições de salubridade e com a devida retaguarda para uma eventual intercorrência, o candidato do PSL está em condição adequada, física e intelectualmente, para enfrentar um embate de ideias com o seu adversário.
Escolheu, por enquanto, o que considera mais seguro: pregar apenas a convertidos, sem enfrentar o contraditório.