O que dá pra rir dá pra chorar 07/11/2018
- CARLOS BRICKMANN - CHUMBOGORDO.COM.BR*
Não, presidente Bolsonaro, a Folha de S.Paulo não vai transformar o bonito em feio. Se tentar, não demora muito a perder seus leitores.
Mas proibir a entrada do jornal em entrevistas não o fará perder leitores: ao contrário, alguns que pensavam em deixá-lo se sentirão tentados a dar-lhe apoio no momento em que sofre investidas do poder.
E, estando ou não na entrevista, as informações continuarão sendo divulgadas em qualquer veículo de comunicações que preze seu lugar no mercado.
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Concordo: impedir um jornal de entrar numa entrevista do presidente eleito, mas não empossado, ainda não chega a ser censura. Mas é um passo no caminho errado.
Minha grande experiência com censura ocorreu no Jornal da Tarde, na época do regime militar que hoje tem gente que diz que não houve.
O JT publicava, no lugar de notícias censuradas, receitas culinárias (em geral erradas, porque o espaço raramente coincidia com o tamanho das receitas).
Tínhamos censores dentro da Redação, já que a empresa se negava a aceitar as ordens que vinham da Censura – aliás, era uma pena, porque várias proibições davam aos jornais informações que não tinham.
Algo como “é proibido chamar Fulano de corno”. Ou seja, Fulano é corno. É pesquisar e descobrir quem é o outro.
Enfrentávamos ainda a censura externa, das fontes normais de notícias. Os serviços de saúde, por exemplo, silenciaram sobre a epidemia de meningite que atingia São Paulo.
Quem nos deu a informação, que permitiu ao JT e ao Estadão informar a população e sugerir medidas de prevenção de contágio, foi minha irmã, Gilda Schwartsman, que era nutricionista-chefe das Clínicas e assistia ao afluxo crescente de pessoas com meningite.
Os censores na Redação eram um capítulo à parte: toscos, tadinhos. Apavorados. Mas como recrutar gente melhor para serviço tão porco? Era o que a Censura conseguia, tadinha.
Um deles se chamava Leonardo, e seu pânico era ser enganado pelo texto de alguma notícia e cair no ridículo.
Então, por sua conta, proibiu o nome “Leonardo” no jornal.
O artista da Renascença era “da Vinci”. E, como ele, todos os Leonardos viraram só sobrenomes.
Eles nos fizeram sofrer. E sofreram.
Certo dia, cheguei cedo ao jornal e resolvi estacionar o meu carro, um Simca vermelho igualzinho ao de um dos censores, exatamente no lugar onde ele costumava estacionar.
Ele que se virasse para achar outro lugar, ou pagasse estacionamento.
Subi feliz da vida. E ainda participei do planejamento de um grupo que pretendia esvaziar os quatro pneus do carro do censor.
Quando o grupo desceu, me dei conta da burrada: o carro que estava lá era o meu!
Deu tempo de descer as escadas na corrida e chegar ao térreo antes do elevador. Quem tem ideia do meu peso e tamanho sabe o que foi essa façanha.
Coisas mais curiosas aconteciam em outros veículos. Status e Playboy recebiam instruções detalhadas sobre o que poderia ser publicado ou não. Uma mulher com ambos os seios à mostra era proibida; poderia aparecer apenas um seio.
Mas, se a foto fosse feita com uma camiseta branca, molhada, transparente, os dois seios poderiam aparecer ao mesmo tempo.
Pelos pubianos, jamais.
E a foto de uma belíssima modelo, sem calcinha, mas oculta por uma grande piscina de plástico, foi proibida.
Nada era visível, mas sabia-se que do outro lado da piscina estavam os proibidos pelos pubianos.
E – sim, é verdade – proibia-se algo que a própria Natureza não permite: foto de traseiro frontal.
Traduzindo, uma bunda podia aparecer de perfil, mas valia para ela a lógica dos seios: jamais as duas nádegas juntas.
E para que serviu todo esse esforço, que para o Governo deve ter sido caríssimo, e para os jornalistas era chatíssimo?
Citemos o poeta pernambucano Ascenso Ferreira:
Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das coxilhas!
Sai de meus pagos em louca arrancada!
— Pra quê?
— Pra nada!
...
*PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BOLETIM EDITADO POR MÁRIO MARINHO, GRUPO JT SEMPRE, QUE REÚNE OS VETERANOS DO JORNAL DA TARDE.