Ninguém no governo consegue explicar o que fará o novo Ministério para Ações de Longo Prazo. Nem mesmo o professor, que já pediu o impeachment de Lula e que acaba de ser convidado para o cargo
No mundo dos políticos costumam acontecer coisas difíceis para o cidadão comum entender. A mais recente delas foi contracenada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo professor Roberto Mangabeira Unger.
No Exterior, o professor brasileiro de forte sotaque americano é um filósofo bastante respeitado. No Brasil, sua imagem é a de guru de todas as horas do ex-ministro Ciro Gomes e de um dos críticos mais ácidos do governo petista.
No auge da crise do mensalão, em novembro de 2005, Mangabeira pediu o impeachment de Lula e classificou seu governo como o mais corrupto de todos os tempos.
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“O governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impeachment do presidente”, torpedeou na ocasião.
Pois bem, na próxima semana, o professor vai ocupar o 36º ministério de Lula, criado especialmente para abrigá-lo. Mangabeira disse sim a um convite feito pelo próprio presidente, que há poucas semanas já abrigara em seu primeiro escalão o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que no passado ironizava a falta de um dedo na mão esquerda do presidente.
“Esse acordo entre Mangabeira Unger e o presidente Lula é um acerto entre pessoas que não têm caráter. O Mangabeira mostrou-se um homem cujas convicções variam de acordo com as oportunidades”, fulmina o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília.
A análise pode ser dura demais, mas não deixa de ter suas razões. Afinal, é difícil entender qual motivação política está por trás da nova parceria.
Na prática, o presidente está criando um ministério que deverá possuir dotação orçamentária, estrutura física, funcionários, etc. Ou seja, está parindo mais um duto de gasto do dinheiro público, aparentemente apenas para abrigar um personagem que, se tivesse a história nas mãos, pelo que ele mesmo declarou, certamente já teria tirado dela o governo petista.
Mas não é apenas o novo ministro que causa perplexidade. Mangabeira Unger irá ocupar o Ministério de Ações de Longo Prazo.
Difícil explicar o que fará essa pasta em um governo que já dispõe de um Ministério do Planejamento, por exemplo.
Oficialmente, o presidente apenas esclarece que o novo ministro irá cuidar de projetos estratégicos para o País.
O que isso significa?
Que os demais projetos capitaneados pelos outros 35 ministérios não são estratégicos?
Enquanto essas respostas não vêm, o fato é que em Brasília o papel de Mangabeira no governo é visto como chacota. Já dizem até que ele é o ministro do futuro. E que só o que faltava em um governo já normalmente lento era um ministério de ações de longo prazo.
Se o presidente não consegue fazer os brasileiros entenderem para que serve o novo ministério, o futuro ministro também se esquiva da resposta.
Apesar de já ter aceito a nova missão, Mangabeira ainda está nos Estados Unidos, onde é professor titular de direito em Harvard desde 1976. Ele só pretende retornar ao Brasil no próximo dia 4, quando irá tomar posse.
Na última semana, ISTOÉ conseguiu fazer contato com Mangabeira. “Tomei uma decisão de conversar com a imprensa amplamente quando regressar ao Brasil. Eu não me sinto bem, prefiro não conversar enquanto estiver fora do Brasil”, afirmou.
Diante da insistência da reportagem em ouvir uma explicação sobre o ministério, Mangabeira respondeu:
“Eu tenho que ser rigoroso na universalidade da mesma regra.”
Espera-se que, no governo, o novo ministro seja um pouco mais claro. Até que tome posse, o futuro ministro terá tempo para argumentar o que fará efetivamente no governo e também para ajustar o discurso e explicar o que aconteceu para mudar radicalmente sua visão sobre o governo Lula.
Do ponto de vista político, é muito provável que a indicação de Mangabeira Unger para o governo tenha a participação de Ciro Gomes, embora os companheiros do professor no pequeno PRB do vice-presidente José Alencar procurem outras explicações.
Na última semana, o senador Marcelo Crivella, presidente do PRB, tentou antecipar a argumentação. A culpa, pelo jeito, vai ser depositada na conta da imprensa.
“O presidente entendeu que o Mangabeira, estando nos EUA, se guiava pela imprensa. Em 2005, parecia ser um consenso que a crise chegaria até o presidente. Não chegou, nem passou perto”, afirmou Crivella, logo após um encontro com Lula.
“Mangabeira, como grande parcela da população brasileira, mudou de idéia, concluiu que o presidente não tem nada a ver com essa crise que atingiu grande parte do setor político”, emendou o senador.
De fato, aparentemente Lula já não guarda mais nenhuma mágoa de seu mais novo ministro. O presidente conheceu o filósofo em 1994, quando candidatou-se pela segunda vez ao Planalto. Após as declarações de 2005, a relação estava obviamente rompida. Até que, durante a última campanha, iniciou-se a reaproximação. Pelas mãos de Tarso Genro, hoje ministro da Justiça.
O professor e o presidente se reuniram logo no início da campanha. Lula pediu auxílio a Mangabeira, que concordou em ajudar no programa de governo do segundo mandato. A relação melhorou tanto que Mangabeira chegou a ajudar na elaboração do PAC.
Sua entrada agora no primeiro escalão do governo deve-se principalmente ao vice-presidente José Alencar. Inicialmente, pensava-se dar a ele a presidência do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Ou então o NAE, o Núcleo de Assuntos Estratégicos do Planalto, até novembro capitaneado pelo petista Luiz Gushiken. Por fim, com boa dose de pressão de Alencar e de seu pequenino PRB, chegou-se à conclusão de que a ele deveria ser dado o status de ministro.
Ponto para Alencar: na pasta, Mangabeira comandará tanto o NAE quanto o Ipea.