Brasil se pôr como autoproscrito do Acordo de Paris só vai trazer dissabores ao país e a seus negócios 29/11/2018
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
O Brasil, como já se noticiou, retirou a sua candidatura como sede do COP-25 de 2019, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas.
Bem, poder-se-ia ter alegado o custo da realização do evento — estimado em até R$ 400 milhões — e pronto.
Nos bastidores, restaria a suspeita, como restou, de que os grupos influentes que estarão ditando a metafísica do poder não são lá muito sensíveis a essa conversa de mudança climática.
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Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, já deixou claro que considera essa conversa parte do chamado marxismo cultural.
Em artigo publicado na segunda no jornal “Gazeta do Povo”, Ernesto conseguiu juntar no mesmo samba “alarmismo climático”, “terceiro-mundismo”, “pautas abortistas e anticristãs” e marxismo”.
O trecho que há de entrar para a história do “despensamento” é este:
“O alarmismo climático (sobre o qual falarei em outra oportunidade), o terceiro-mundismo automático e outros arranjos falsamente anti-hegemônicos, a adesão às pautas abortistas e anticristãs nos foros multilaterais, a destruição da identidade dos povos por meio da imigração ilimitada, a transferência brutal de poder econômico em favor de países não democráticos e marxistas, a suavização no tratamento dado à ditadura venezuelana, tudo isso são elementos da ‘ideologia do PT’, ou seja, do marxismo, que ainda estão muito presentes no Itamaraty”.
Se você não entendeu o que o alarmismo climático tem a ver com pautas abortistas e anticristãs, a culpa não é sua, mas dos fatos.
Só a paranoia política consegue estabelecer relações de causa e efeito ou mesmo simples correlações.
Mas não fujamos do principal. Vamos lá.
O Brasil já tinha mandando a sua cartinha pulando fora do evento e ponto.
Ontem, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, fez questão de chamar para si a responsabilidade, contrariando a orientação de seu futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Quase ao mesmo tempo em que seu ministro lhe soprava ao ouvido a orientação para desconversar, Bolsonaro fez questão de bater no peito.
Chegou a ser engraçado. Ao perceber que seu chefe teria de falar sobre o assunto, Onyx lhe passou, baixinho, o texto:
“Não temos nada com isso; isso é decisão do Itamaraty.”
Bolsonaro não deu bola e fez questão de demonstrar que prevaleceu a sua vontade: “Houve participação minha nessa decisão”.
Durante a campanha, ele já havia manifestado a intenção de retirar o país do “Acordo de Paris”.
E voltou a acenar com a possibilidade, afirmando que não gostaria de “anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil”.
Mas sair do acordo sobre o clima por quê?
Bolsonaro explicou.
Segundo diz, a soberania do Brasil corre risco por causa do famigerado “Triplo A”.
Que troço é esse?
Trata-se de um corredor ecológico que uniria Andes, Amazônia e Atlântico e que comporia uma grande área de proteção ambiental e que estaria sob uma espécie de vigilância internacional.
E o eleito acrescentou:
“Eu quero deixar bem claro, como futuro presidente, que, se isso for um contrapeso, nós, com toda certeza, teremos uma posição que pode contrariar muita gente, mas vai estar de acordo com o pensamento nacional”.
No Acordo de Paris não há a menor menção, nem a mais remota, ao tal “Triplo A”.
Essa é uma tese defendida por uma ONG com sede na Colômbia e que, curiosamente, já alimentou muita teoria conspiratória das esquerdas.
Bolsonaro e a esquerda já se aliaram muitas vezes em votos no Congresso.
Se você quer um exemplo, encontrará o PCdoB a expressar os mesmos temores de Bolsonaro sobre o tal “Triplo A”.
Mais: ainda que o Acordo de Paris quisesse abraçar a proposta, não teria como fazê-lo sem o voto favorável do Brasil.
A reunião do COP-25 deste ano começa no dia próximo dia 2, em Katowice, na Polônia.
A candidatura do Brasil seria então formalizada, depois de ter sido bastante negociada.
O governo da Venezuela, por exemplo, era contrário à pretensão brasileira porque adversário ideológico da gestão Temer.
A coisa ficou no passado. Bolsonaro e Nicolás Maduro concordam que o Brasil não tem de sediar tal encontro.
Bolsonaro e seus homens não precisam acreditar no desequilíbrio climático.
Podem até considera-lo invenção e besteira.
Mas estão obrigados a reconhecer que o debate existe e que ele é fundamental para um país que é, como o Brasil, exportador de commodities agrícolas e minerais.
Justamente porque sujeito a crivos internacionais severos para escoar suas exportações, convém que o país seja um protagonista do Acordo de Paris, não um autoproscrito, situação em que se coloca como alvo de possíveis interdições a suas exportações sob a alegação de desrespeito ao meio ambiente.
Se o Brasil tivesse desistido só por causa da situação fiscal, estaria tudo bem. Teria sido até sábio.
Apelar àquilo que não passa de teoria conspiratória paranoica para renunciar a um compromisso, chamando para si a atenção do mundo, como quem pretende ignorar o debate do desequilíbrio climático, é só uma irresponsabilidade.
E que se explicite de novo: não existe nenhuma relação entre o Acordo de Paris e o tal Triplo A.