Em qualquer dicionário da língua portuguesa, o termo obstruir significa interpor um obstáculo à passagem ou circulação de alguma coisa.
No Congresso, tem outra definição: manobra.
Diante da iminência de derrota, grupos que fazem oposição a determinado projeto em discussão criam dificuldades regimentais para adiar a conclusão das votações.
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Por uma estranha razão, o artifício foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), Corte principal de uma Justiça, que é criticada por ser lenta em suas decisões.
Lá, a obstrução ganhou o apelido de “pedido de vista”.
Em tese, deveria ser usada quando algum ministro ainda tem dúvida sobre o tema julgado e pede mais tempo para estudá-lo melhor.
Na prática, o instrumento está sendo claramente usado para adiar derrotas.
Ou seja, ganhou na Suprema Corte ar de manobra política, de fazer vista grossa.
Na terça-feira, o ministro Gilmar Mendes valeu-se do dispositivo para suspender o julgamento de um novo pedido de liberdade para o ex-presidente Lula quando o placar já era de 2 a 0 contra ele.
A Segunda Turma, que era conhecida como “Jardim do Éden”, pela liberalidade com que tirava enrolados em corrupção da prisão, ganhou nova composição com a substituição do atual presidente do STF, Antônio Dias Toffoli, pela ministra considerada mais dura, Cármen Lúcia, que o antecedia no comando do tribunal.
Com o voto de Cármen, que se juntou ao do ministro Edson Fachin, a negativa do pedido da defesa de Lula já tinha dois votos. E a tendência era que o ex-presidente fosse derrotado.
Assim, Gilmar Mendes congelou tudo com seu pedido de vista, postergando uma decisão sobre o pedido do ex-presidente.
Ficaram faltando os votos do próprio Gilmar e dos ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Lula está preso desde abril deste ano, condenado a 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro.
De qualquer forma, o pedido de vista de Gilmar fará com que Lula vire o ano para 2019 preso na sede da PF em Curitiba.
Afinal, só haverá mais duas sessões da Segunda Turma até o recesso de fim de ano e o caso não pode ser votado em plenário virtual (somente em sessão plenária).
Não é comum também um ministro que pede vistas devolver o processo tão rapidamente.
Esse, inclusive, não foi o único julgamento congelado por pedido de vista nos últimos dias no STF.
Aconteceu também com a discussão sobre os limites do indulto de Natal editado no fim do ano passado pelo presidente Michel Temer.
No caso, prevalecia no plenário do STF o entendimento de que Temer tinha o direito de fazer o indulto como bem entendesse, provocando prejuízos ao combate à corrupção.
O indulto pretendido por Temer poderia beneficiar até 22 presos pela Lava Jato.
Já estava formada maioria: seis ministros a favor de Temer e dois contra.
O ministro Edson Fachin pediu vista e suspendeu o julgamento.
Acabou acompanhado pelo presidente Dias Toffoli, que também pediu vistas.
Como ministros ainda podem mudar de voto, sem uma decisão final a maioria formada até aqui não vale como placar definitivo.
Não é de hoje que se questiona a ferramenta de obstrução dos ministros das Cortes superiores.
No início do ano 2000, o então presidente do STF, Maurício Corrêa, classificou o pedido de vista como o “drama pior, mais terrível, mais lamentável do Supremo”.
Na época, o ministro Maurício Corrêa tentou limitar a possibilidade de seu uso.
Teve como um de seus aliados o então ministro Ilmar Galvão, que disse: “O pedido de vista está mais para vista grossa”.