O que a imprensa não fala sobre a pobreza 10/12/2018
- TIAGO DE VASCONCELOS*
O ritmo de crescimento da pobreza é o menor dos últimos 4 anos no Brasil, mas com base nas manchetes da imprensa, você não sabia disso. E mais: a pobreza mundial é a menor da História. Vivemos o melhor momento da humanidade.
Quem consumiu qualquer jornal produzido pelo grupo Globo (na TV, impresso, rádio ou internet) na última quarta-feira (5/dez) ficou sabendo que “no Brasil, 15,2 milhões vivem abaixo da linha da extrema pobreza, diz IBGE” ou “em 1 ano, aumenta em quase 2 milhões número de brasileiros em situação de pobreza, diz IBGE”.
Isso se espalhou pelas dezenas de veículos do conglomerado de comunicação repetidamente, durante todo o dia, e se entranhou na mídia em geral.
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Do Globo Rural à Bloomberg e à agência AFP, todos seguiram a mesma narrativa: a pobreza no Brasil se alastra.
A blitz do noticiário não permitiu conclusão diferente: o país vive um dos piores momentos. Isso é falso.
Os números são reais, mas a informação é incompleta. Na comparação de resultados do IBGE entre 2016 e 2017 houve um aumento de 0,8% na proporção de pessoas no Brasil que vivem em situação de pobreza (de 25,7% para 26,5%).
Mas o fato mais relevante a ser extraído dos resultados do IBGE sobre a pobreza em 2017 deveria ser que o ritmo de crescimento é o menor desde 2014. Além do mais, o valor é o mesmo do ano de 2011.
A notícia deveria ser positiva. Atualmente, o ritmo de crescimento da miséria é cerca de 20% daquele de 2015, auge da tragédia petista.
Nós jornalistas parecemos não gostar de admitir, mas o governo Temer freou consideravelmente o alastramento da pobreza e essa situação está quase revertida.
Na matéria de 2017 sobre o estudo anual do IBGE, a Folha de S.Paulo mostrou que desde 2003 o Brasil assistiu a uma queda constante (sempre, segundo dados do IBGE) na proporção da população que vivia abaixo da “linha da pobreza”; limite definido pelo Banco Mundial – em 1992 e revisto em 2015 – do valor em dólar que um ser humano precisa para sobreviver, por dia. Teve até gráfico.
Mas a matéria da Folha deste ano não menciona os resultados dos anos de 2013, 2014 e 2015, assim como o release oficial do IBGE, que 100% dos veículos reproduziram. Não houve atualização do gráfico.
Aliás, nem sequer um veículo que noticiou essa “novidade” menciona a evolução do quadro desde os últimos anos de governo do PT e o tamanho do desastre deixado de herança por Dilma e cia.
Dados do IBGE demonstram que o Brasil cortou o ritmo do avanço da linha da pobreza.
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, a proporção era de 45,8%. A queda foi constante até atingir 20,4% há quatro anos, um recorde no histórico no levantamento.
No entanto, desde 2014, os resultados têm piorado de forma assustadora. Em 2015 a taxa pulou para 22,1%. Em 2016, para 25,7%; o mais grave crescimento de todos os tempos, com 3,6 pontos percentuais.
Mas desde o impeachment essa explosão de pobreza diminuiu de intensidade; o último levantamento mostra 0,8 ponto de aumento e isso ainda não contabiliza o ano de 2018.
Para entender a história completa, é preciso destrinchar a metodologia por trás das conclusões do IBGE.
Anualmente o instituto produz a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) que, segundo o próprio IBGE, “reúne múltiplas informações sobre as condições de vida da população brasileira, acompanhadas de comentários”.
A SIS tem base nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, o PNAD População.
É importante destacar que a amostra do PNAD é de 1.000 domicílios, universo de entrevistados menor que muitas das pesquisas eleitorais do segundo turno.
Em contraste, o próprio IBGE projeta o total da população brasileira em 209,2 milhões.
Também vale destacar que os “comentários” de analistas que acompanham o levantamento estatístico são os responsáveis por guiar a interpretação da SIS e consequentemente da assessoria de imprensa do instituo acerca da pesquisa, a responsável por pautar a imprensa brasileira e estrangeira.
A boa notícia: é a melhor época da Humanidade
As matérias não refletem, mas os resultados do IBGE dos últimos anos são positivos e animadores. É possível perceber que o país exibiu desenvolvimento estável e maduro suficiente para arrumar a casa para superar crises.
Outra pesquisa que também demonstra isso, do instituto Insper em conjunto com a Oliver Wyman publicado este ano, estudou a evolução de um conjunto de indicadores socioeconômicos no Brasil. E não há más notícias.
Desde meados da década de 90, todos os principais indicadores sociais e econômicos do Brasil evoluíram de forma impressionante.
Vale ressaltar a média de anos de escolaridade de brasileiros com mais de 25 anos, que dobrou desde 1990 de 4 para 8 anos, o aumento da expectativa de vida, que pulou de 67 para 75 anos em duas décadas e também o avanço de 173% no valor do salário mínimo.
O Insper/OW compilou dados do Banco Central do Brasil, World Development Indicators, Banco Mundial; Total Economy Database, The Conference Board, IBGE e IPEA.
Além do Brasil, a notícia é boa para todo o planeta.
Em abril deste ano, o psicólogo e acadêmico Steven Pinker proferiu palestra num evento TED (disponível com legendas em português), onde demonstra que o mundo nunca esteve tão bem.
Os números de homicídios, o volume de pobreza e até a taxa de poluição nunca estiveram tão baixos.
A quantidade de guerras é a menor da História e até os atos de terrorismo diminuíram nos últimos 30 anos.
Enquanto isso, liberdades pessoais e políticas cresceram, além de haver progresso unânime em questões tangíveis como expectativa de vida, mortalidade infantil, renda e acesso a saúde, segurança e educação.
Problemas ainda existem, claro. Mas das Américas à Europa e por toda a África e Ásia o progresso da raça humana no último século é inegável.
No seu estudo, o professor Pinker defende que houve e há progresso.
Ele definiu variáveis que podem ser medidas para indicar se de fato o mundo está melhor em relação ao passado.
São oito: Vida, Saúde, Sustância, Prosperidade, Paz, Liberdade, Segurança, Conhecimento, Lazer e Felicidade.
Se existiu crescimento aferível dessas variáveis, houve progresso. Ele compilou estudos de várias décadas (e até séculos) sobre esses aspectos e o resultado não poderia ser melhor.
Em todos os quesitos os seres humanos estão melhores. Até “atos de Deus”, como relâmpagos, matam menos pessoas nos dias de hoje.
Mais de 90% da população mundial abaixo dos 25 anos, por exemplo, sabe ler e escrever, segundo o Our World in Data.
Os resultados nunca foram tão positivos.
Mas essa não é a sensação comum do telespectador de jornal ou usuário de internet.
O problema é o humor da imprensa
Paralelamente, segundo Steven Pinker, a percepção da imprensa sobre os acontecimentos mundiais vem piorando cada vez mais desde o início do século passado.
De acordo com o Cultureconomics 2.0 – estudo que fez uma tabulação das emoções de palavras nas reportagens de todo o mundo –, durante as décadas em que a humanidade se tornou mais saudável, mais rica, sábia, segura e feliz.
“Os noticiários mundiais em geral se tornaram cada vez mais melancólicos e o New York Times, por exemplo, se tornou cada vez mais taciturno”, diz.
A pesquisa usa milhares de fontes, incluindo acervos dos principais jornais do mundo, como o NYT, para atribuir valores emocionais positivos ou negativos às informações.
O levantamento inclui o Summary of World Broadcasts (SWB), banco de dados criado na Segunda Guerra pela rede inglesa BBC para monitorar a imprensa mundial, e o Foreign Broadcast Information Service (FBIS), iniciativa da agência de inteligência americana CIA de 1941 com o mesmo propósito dos ingleses.
O SWB monitorou os veículos de imprensa em mais de 100 países até 1997, e o FBIS se transformou em 2005 no Open Source Center (OSC), a principal fonte aberta de informações de inteligência estratégica, sob a supervisão da CIA.
O software que realiza a tabulação utilizado pelo autor do estudo, Kaleev Leetaru, destrinchou entre 10 mil e 100 mil artigos desses bancos de dados por dia entre 1º de janeiro de 2006 e 31 de maio de 2011 para atribuir o valor das emoções das manchetes e notícias da imprensa.
Há uma desconexão de humor e também de interpretação.
Nos últimos anos repórteres e acadêmicos da Grã-Bretanha não compreenderam o Brexit; o mesmo aconteceu com a eleição de Donald Trump nos EUA.
Este ano foi a vez dos jornalistas brasileiros estarem “chocados” com a eleição presidencial.
Mas o pior de tudo é que nos três países a imprensa não foi capaz de prever movimentos políticos amplos, populares e majoritários.
A reação desses setores à própria incapacidade de manter o dedo no pulso da sociedade tem sido diversa; resistência, indignação, militância.
Sinal de que é provável que essa massa majoritária continue a se afastar dos meios de comunicação tradicionais.