Quase metade da população acredita em notícias falsas 30/12/2018
- Felipe Nunes, em depoimento a Helena Borges - Época
O ano que se encerra mostrou que as fake news são muito mais perigosas, resistentes e toleradas do que se imaginava. E que as eleições só aguçam seu efeito perverso.
Por causa da repercussão internacional em relação aos casos de notícias falsas nas eleições americanas de 2016, resolvi me debruçar sobre o tema com um time de pesquisadores também interessados no assunto: Natália Bueno, Nara Pavão e Frederico Batista.
Estávamos atrás de respostas que pudessem ajudar a sociedade brasileira a lidar com o potencial negativo que imaginávamos que as fake news poderiam ter nas eleições de 2018.
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Infelizmente, as respostas não foram boas, e o cenário estimado por nossos resultados bem pessimista.
Após realizarmos uma série de estudos sobre o tema, antes, durante e depois das eleições, aprendemos que aproximadamente 46% da população acredita em notícias falsas com conteúdo positivo — notícias mentirosas que valorizam a imagem, as ações ou atributos de algum ator político — e 38% acredita em notícias falsas com conteúdo pejorativo — notícias em que algo preconceituoso, jocoso, discriminatório ou excludente é associado a algum ator político.
Estamos tratando aqui de notícias que correm soltas pelo WhatsApp ou pelo Facebook das pessoas.
Fake news como: “Papa Francisco afirma que o maior crime de Lula foi ter acabado com a fome no Brasil” ou “Senadora Fátima Bezerra apresentou projeto para colocar Wi-Fi nos presídios federais”.
Embora a maioria consiga questionar e duvidar da veracidade dessas notícias, os percentuais encontrados são elevados o suficiente para alterar qualquer resultado eleitoral em um pleito mais competitivo.
Pior do que identificar o alto percentual de gente acreditando em notícias falsas foi constatar que não há muito o que fazer para combater esse mal.
No experimento que fizemos em maio de 2018, testamos dois mecanismos de “vacina” contra as fake news.
O primeiro foi a autodefesa. Apresentamos a nossos entrevistados um político desmentindo a notícia falsa que havia sido criada contra ele.
Lamentavelmente, nosso estudo mostra que desmentir de nada adianta.
Quem acredita que a notícia é falsa continua achando que ela é falsa; e quem acredita que ela é verdadeira continua achando que ela é verdadeira.
Esse resultado foi um tiro no pé em todas as famosas teorias que sugerem que a exposição pública, “colocando a cara a tapa”, serviria de alguma coisa.
No caso das fake news, não funciona.
A segunda vacina foi a checagem profissional. Nesse caso, apresentamos a informação vinda de um veículo oficial de imprensa e de sua agência de checagem afirmando que a referida notícia que estava circulando era falsa.
Os resultados de maio de 2018 foram animadores. Aproximadamente 20% das pessoas que antes acreditavam em determinada notícia falsa passaram a duvidar da mesma após serem expostas à informação de um veículo oficial de imprensa.
Durante um bom tempo, ficamos com a impressão de que tínhamos encontrado a resposta.
Ou seja, bastava que os jornais e as revistas fizessem bem seu papel para a sociedade se ver livre dessa manipulação e a democracia continuar operando normalmente.
Essa esperança durou pouco.
Em outubro, na semana do primeiro turno das eleições, repetimos o mesmo experimento e descobrimos que o efeito encontrado anteriormente havia desaparecido.
O eleitor, prestes a tomar uma decisão eleitoral em um contexto de tamanha polarização, ficou ainda mais cético.
Não era só a autodefesa que parecia tentativa de manipulação, mas as informações vindas da imprensa também.
Parece que as pessoas perderam, naquele momento, a capacidade de distinguir entre quem está certo e quem está errado.
Passaram a achar certo aquilo que elas gostariam que fosse certo.
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*Professor de ciência política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor do Centro de Estudos Legislativos (CEL-UFMG)