Não aparecia para despachar e acordava depois das onze.
Para alguém com disciplina militar, era sinal de que alguma coisa não andava bem.
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Até a primeira-dama estava preocupada.
– Às vezes ele passa o final de semana sem sair da cama, só no celular – revelou à manicure.
A moça desconfiou que fosse o Tinder, mas achou melhor não falar nada.
Quando perguntavam o problema, o presidente respondia enigmático:
– Essa gente… Essa gente me deixa louco.
Ninguém sabia quem era “essa gente”.
Considerando seu histórico de polêmicas, poderiam ser as minorias: índios, ONGs, LGBTs, oposição, China, Estados Unidos e mais uma infinidade de possibilidades.
Foi num café da manhã que a primeira-dama resolveu confrontá-lo de uma vez.
– Querido, por que você anda tão chateado?
O presidente fez uma pausa, ergueu a cabeça da bolacha e olhou para o nada.
– Essa gente. Essa gente está acabando comigo – e deu um longo gole no Danoninho.
– Que gente, amor? Quem?
– Quem?! O pessoal do Twitter, pô.
A primeira-dama respondeu com olhar de incompreensão.
– Como assim?
– Tô perdendo muitos followers, entende?
– Ah… Mas isso não é grave, querido! – a mulher tentou consolar.
Era grave.
O que mais se falava em Brasília era a obsessão do presidente com o Twitter, sempre metido nas confusões que ele mesmo criava.
– Qualquer coisa que eu falo, é uma chuva de mimimi. Passo o dia bloqueando “reiters” – confessou.
– Li que o Trump não pode mais bloquear ninguém – a primeira-dama deixou escapar, o que só serviu para irritar ainda mais o marido.
Os dois ficaram em silêncio alguns minutos.
Então, enquanto o presidente passava Leite Moça no pão, a primeira-dama sugeriu:
– Amor, quem sabe não é a hora de dar um tempo de Twitter? Voltar a despachar… Ou mesmo tentar o Instagram. Que tal?
O presidente explodiu.
– Instagram?! Foto de gatinho. Você acha que é para isso que fui eleito? Acha que é isso que o País espera de seu mandatário?
O Trump tem Instagram? Hein? Era só o que me faltava.
– Tá, desculpa… Mas apaga esse Twitter, poxa vida! Tá te fazendo mal isso.
O presidente não respondeu imediatamente.
Na verdade já vinha pensando em largar a rede social.
Enquanto cortava uma fatia de queijo de minas, perguntou:
– Você acha? Não vai pegar mal?
– Claro que não! Você é o mandachuva ou não é?!
Era.
Então prometeu para a mulher que apagaria o aplicativo e voltaria a despachar.
Os dias passaram e viraram semanas.
O presidente cumpria à risca a promessa.
Os aliados estavam felizes de ver o presidente de volta, cuidando dos graves problemas da Nação.
Até a imprensa notou, elogiosa, a mudança.
Mas o coração do presidente estava apertado.
Sentia saudades da interação com os leitores, das confusões e até dos bloqueados.
Só que não podia voltar atrás, porque promessa de presidente, ainda mais para a primeira-dama, é lei.
Ela, sensível, notava a tristeza do marido, mas evitava o assunto.
Foi numa noite que serviram picadinho, o prato preferido do presidente, que ele deu um basta.
Sacou o celular e começou a tirar fotos do prato, como quem dá tiros com um revólver imaginário.
– Ficou doido, homem? Pra que tanta foto? – a primeira dama perguntou, mas já desconfiava da resposta.
– Instagram, pô.
Enquanto o presidente postava as fotos, a primeira-dama sorria orgulhosa.