O combate à impunidade é algo bem conhecido da civilização ocidental. Data de Moisés, uns seis mil anos atrás, um dos primeiros pacotes anticrime, com os Dez Mandamentos ditados por ninguém mais do que Deus.
Não obstante, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, quase 500 mil homicídios são cometidos a cada ano, sem falar das mortes decorrentes de conflitos armados.
O Brasil, país constitucionalmente com viés pacifista, contabilizou em 2016 62.517 homicídios, de acordo com o Atlas da Violência divulgado pelo IPEA.
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Virou letra morta o quinto mandamento – “Não Matarás!” – inscrito a fogo nas montanhas do Sinai?
Na verdade, o crime reflete o pêndulo no qual nossa sociedade oscila, entre agravamento e abrandamento da legislação.
Com efeito, evoluindo na História, em outra montanha foi proferido um sermão que levou o pêndulo para novo patamar, mais próximo de uma sociedade que se busca fraterna.
Hoje, em nosso país está em debate o plano anticrime conduzido pelo Ministério da Justiça.
Mais um, dentre tantos outros.
Que vem após o fracasso da chamada “dez medidas contra a corrupção”, que serviu apenas para revelar o agigantamento do Estado brasileiro, nomeadamente seus agentes de atividade policial e acusatória.
O efeito acabou sendo outro: uma proposta legislativa para punir os abusos cometidos pelos agentes do Estado, percebendo que o movimento, os projetos, pelo menos até o momento, não seguiram o curso normal.
Na proposta enviada agora pelo governo, percebe-se evidente afirmação da política do encarceramento.
De dezenove pontos, ao menos sete dizem respeito, diretamente, à vontade de se manter indivíduos presos.
A ironia é que nenhum item vem acompanhado de política para restabelecimento de presídios como locais de ressocialização, e há expressa confissão de fracasso ao citar nominalmente facções que dominam o sistema prisional.
Essas contradições revelam que as chances de uma sociedade, tal como aquela prevista no preâmbulo da nossa Constituição – vale repetir, fraterna e harmônica – são pequenas.
Aliás, pode ser questão para outro artigo, mas owhistleblower e a solução negociada (plea bargain) apontam que o governo pode, na verdade, implantar a desarmonia, inclusive em corporações públicas ou privadas, incitando a guerra de todos contra todos.
Retomando o ponto, medidas de endurecimento são caminhos naturais, mas que revelaram fracassos retumbantes ao longo do tempo.
Os protagonistas do debate político devem demonstrar à sociedade que a solução advém da Constituição e da lei.
A nossa Carta, documento plural extraído de intenso debate, resolveu dar fim ao encarceramento excessivo.
Daí porque, embora se aponte inúmeras soluções que visam proteger bens considerados sensíveis, como vida, raça, patrimônio público, dentre outros, inseriu princípios como regras como a presunção da inocência antes do trânsito em julgado e a individualização da pena.
Mais ainda.
O governo parece não ter compreendido a mensagem enviada de que o cidadão está à mercê de um Estado superpoderoso, que não se intimida em expor dados fiscais sigilosos da alta cúpula do Poder Judiciário, como se viu recentemente, ou de fazer publicamente política em ações penais, tal como se lê vez ou outra nas redes sociais.
Assim, o Legislativo, que traduz o caldeirão de ideias da sociedade, deve refletir profundamente a respeito das medidas enviadas pelo governo, até porque passam a ser os parlamentares os principais personagens do sucesso ou insucesso das medidas.
Aliás, cabe a eles a prerrogativa de aprimorar o texto, eliminar as incongruências ou, se for o caso, até mesmo rejeitar a proposta, seja por desrespeito à Constituição ou ao interesse da sociedade que eles representam.
O calor do debate não deve entorpecer a leitura histórica que se deve fazer de medidas de outrora, que caíram em fracasso às custas da sociedade, que como dito acima, é quem efetivamente sentirá as consequências do plano.
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*Advogado em Brasília, criminalista e Mestrando em Direito Constitucional pelo IDP.