Aquele carnaval que passou 27/02/2019
- MIGUEL LUCENA*
Nonato decretou feriado no açougue que mantém há anos na 411, em Brasília, faltando um dia para o grito do Zé Pereira marcado para 12 de fevereiro de 1999, no Bar do Osmar, o mais famoso da área.
João, o assistente, foi dispensado para fazer sua própria festa na Adega do Sitônio, na Avenida Central do Paranoá.
– Carne, só de gente! – gritou Nonato, iniciando a farra, às 17 horas do dia 11, no depósito de bebidas do Araújo, na esquina próxima do BRB e em frente à atual choperia Resenha.
PUBLICIDADE
Lá, já estavam no esquenta Marcelo da Cia, Ferraz do Consórcio (que Deus o tenha), Miguelzinho Peruano, Dentinho (que Deus também o tenha), Alex Traback, Serjão e Gero.
O grupo misturou cachaça, cerveja e licor até as 23 horas, quando Nonato convidou os amigos para dar uma passada no Beirute da 109 Sul.
Comendo um quibe, ele iniciou uma discussão com um gay sobre se a homossexualidade era uma opção ou uma condição biológica.
“O cabra já nasce fresco”, insistia, com ar de autoridade no assunto.
Ainda no Beirute, Nonato discutiu Física com a professora Gláucia, doutora no assunto.
“Tudo é relativo quando é nos olhos dos outros. Quando o fumo vem para o nosso lado, não tem nada de relativo”, argumentava.
Na boate Star Night, onde se encontrou com André Cicarelli, dispensou uma universitária que fazia programa eventual e o chamou de lindo.
“Lindo é o meu dinheiro!”, respondeu, deixando a moça chocada.
A turma amanheceu o dia no Clube dos Delegados, assando uma manta de carne levada do açougue de Nonato.
Eles tomaram banho de ducha e beberam cachaça até as 4 horas da tarde, quando então rumaram para o Zé Pereira do Bar do Osmar.
O combinado era ir de máscara, mas ninguém da turma, já com a vista embaçada, ligou para isso.
Um deles se atracou com uma moça cheirosa, por quem ficou apaixonado e só se desapaixonou quando soube, 24 horas depois, que a musa da festa era Sabrina, viúva pela terceira vez em menos de 10 anos.
Nonato se arranjou com uma morena alta, esbelta, voz macia, que não tirou a máscara em nenhum momento.
Lá pela meia-noite, ela o convidou para dar um passeio sem rumo e direção.
Subiram abraçados pelas quadras 200, passaram para as 100, cruzaram as 300, as 500, as 700 e 900, parando na Legião da Boa Vontade.
– Ali, do lado esquerdo, é o Mercado das Flores – disse ela, completando: – À direita, fica a eterna morada de todos nós – e apontou para o Cemitério Campo da Esperança.
Nonato, curioso, perguntou-lhe:
– Tu num tem medo de alma, não?
– Quando eu era viva, tinha – respondeu a moça, sumindo na escuridão do cerrado.
Desse dia em diante, Nonato nunca mais bebeu.
...
*Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.