Ademar é gerente da agência do Banco do Brasil de Palmital, no interior de São Paulo.
Se alguém tem uma vida pacata, esse alguém é o Ademar.
Casado com a Glória, do lar, têm três filhos: os gêmeos e o outro, que veio temporão.
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Todos os dias Ademar acorda às 6 horas, coloca o terno e vai até a padaria comprar leite, pão e 150 gramas de queijo prato para o café da manhã da família.
Ademar é desses que levanta a tampa da privada.
Lembra do aniversário de casamento.
Ele abre a porta para as mulheres – coisa que as feministas de Palmital odeiam.
Ademar é respeitador.
Tradicional, não bebe nem fuma.
– No máximo uma cervejinha vendo o futebol, que ninguém é de ferro — confessa para o médico no check-up semestral.
Glória e Ademar são casados há 12 anos.
E, como é funcionário de carreira, a mulher já está acostumada que, durante o carnaval, o banco sempre faz sua convenção dos funcionários.
Glória tem orgulho do marido que já conheceu o País inteiro por causa do evento.
– Só para Salvador já foi umas seis vezes.
Pro Rio, umas quatro.
Esse ano, a convenção acontece na capital de São Paulo mesmo.
Tempos bicudos.
Então, sexta-feira ele se despede de Glória, beija as crianças e vai para a rodoviária.
É no ônibus que acontece a mutação genética de Ademar, muito comum no Brasil durante o carnaval.
É uma semana que transforma gente comum, educada, civilizada, no Homo carnavalis.
Ou Mulher carnavalis, para não esquecer da descoberta arqueológica da ex-presidente.
Quando completa sua metamorfose no Homo carnavalis, Ademar fica irreconhecível.
Ele entra no banheiro apertado do expresso Andorinha e quem sai de lá é o Olegário, a antítese do Ademar.
Roupas coloridas.
Falastrão.
Já no ônibus começa a assediar a mulherada.
Uma vez, indo para Salvador, urinou no corredor.
– Vamos começar a festa, meu povo! — fazendo helicóptero com o dito cujo de fora.
Fica sempre num hotel econômico para poder gastar no que realmente importa: bebida.
Muita bebida.
E agora, com a venda de maconha liberada nos bloquinhos, também anda dando uns pegas.
Bloquinho de rua, aliás, é coisa que faria Ademar entrar em coma.
Mas é o habitat natural do Olegário.
Do sábado à terça-feira, Olegário bebe, fuma, cheira e ataca a mulherada como se não houvesse amanhã.
A farra acaba na quarta-feira de cinzas, pela manhã, no banheiro do ônibus.
Ademar sai de lá vestindo sua camisa polo azul-marinho e sapatos de amarrar.
E, acredite se quiser, sem lembrar de nada.
Tanto que quando chega em casa, conta para a mulher os mínimos detalhes da convenção.
Chega a reproduzir palestras inteiras.
Para Ademar, Olegário não existe e vice-versa.
É tudo tão sem explicação, que a própria Glória é quem desfaz a mala do marido sem nunca achar um confete sequer.
Até esse ano.
Ademar chegou e jogou a mala na cama.
Quando Glória abriu, quatro celulares caíram de dentro.
Ademar olhou sem saber o que era aquilo.
– Ah, isso é que não, Ademar! — gritou a mulher — Agora o Olegário deu para roubar celular no bloquinho!?
Glória sempre tinha feito vista grossa para a única excentricidade do marido.