Contra o consenso da inação 04/03/2019
- ERNESTO ARAÚJO*
A política externa brasileira foi uma política de “consenso” nos últimos 25 anos porque refletiu um consenso mais amplo, o consenso na base do sistema político que ameaçou sufocar a nação brasileira com a corrupção e a estagnação econômica, a crise moral e o enfraquecimento militar, o apequenamento internacional, o descaso pelos sentimentos do povo brasileiro.
Os brasileiros rejeitaram esse consenso nas urnas, em outubro de 2018, ao escolher o único candidato que se ergueu contra o sistema.
Insistir agora em que esse consenso continue a prevalecer na esfera da política externa, por temor e preguiça, sob o pretexto de “manter as tradições”, seria trair o povo brasileiro.
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O “consenso” na política externa, com sua “maturidade” e “equilíbrio”, permitiu ao longo desse período a subida de Chávez na Venezuela, o predomínio crescente do bolivarianismo na América do Sul concebida como um bloco socialista, a consolidação de Chavez e Maduro no poder, a corrosão progressiva de todos os elementos do Estado Democrático de Direito naquele país, sua entrada no Mercosul a ponto de quase destruir o bloco, a deliberada política do regime de Caracas de criar miséria para reforçar o controle sobre a sociedade – tudo isso sob as barbas do nosso “consenso”.
Alguns apoiaram abertamente o chavismo. Outros fingiram que foram contra mas não fizeram nada de concreto.
Aquilo que parecia haver de defesa da democracia na política brasileira para a Venezuela no último governo extinguiu-se completamente, entre sorrisos, em setembro de 2018, na reunião de Aloysio Nunes com o chanceler de Maduro em Nova York, onde o lado brasileiro aceitou na prática a normalização das relações com a Venezuela sob o pretexto de que “é um país com o qual fazemos fronteira”.
Se permanecesse aquele maravilhoso consenso, não haveria hoje um pingo de esperança para a Venezuela, e Maduro estaria firme, sem qualquer receio de perder o poder, sorrindo ao ver as crianças venezuelanas comerem lixo.
Eu vi com meus próprios olhos essas crianças e seus pais, nas fronteiras da Colômbia e do Brasil com a Venezuela.
Eu ouvi os venezuelanos em Cúcuta gritando “obrigado Brasil” e apertei suas mãos, eu escutei suas vozes rasgadas de esperança, gritando “Venezuela libre!” e gritei junto com elas.
Eu senti o seu enorme anseio de que agora, finalmente, graças em grande parte ao novo Brasil, os venezuelanos possam recuperar sua pátria e sua dignidade humana, com o fim iminente da ditadura.
Eu abracei Juan Guaidó, esse líder destemido que, sob risco de vida, corporifica o sonho de uma nova Venezuela, vi os índios pemones que viajaram até Brasília, grande parte do trajeto a pé, e saudaram Guaidó em frente ao Itamaraty, e entoaram um cântico por seus parentes massacrados por Maduro – tudo isso enquanto Rubens Ricúpero e Fernando Henrique Cardoso escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e desídia cúmplice.
O Presidente Bolsonaro e eu estamos, sim, rompendo esse consenso infame.
Estamos rompendo com a tolerância irresponsável que ajudou a acobertar os crimes do regime chavista-madurista, e que continuaria acobertando até hoje, se o sistema que vinha governando o Brasil permancesse no poder.
A esperança de uma nova Venezuela não existiria sem o novo Brasil.
A atuação do Brasil no Grupo de Lima em 4 de janeiro, a organização do encontro das forças de oposição em Brasília em 17 de janeiro, a denúncia do genocídio silencioso praticado por Maduro por meio da nota do Itamaraty igualmente de 17 de janeiro, o respaldo ao Tribunal Supremo de Justiça legítimo da Venezuela que avaliza constitucionalmente o processo, o reconhecimento de Guaidó como Presidente Encarregado em 23 de janeiro – todas essas iniciativas da nova política externa brasileira, que o Presidente Bolsonaro me deu a honra de conduzir, foram decisivas para acender a esperança que vi brilhar nos olhos das pessoas de carne e osso, e que contagiou toda a região, que colocou a barbárie do regime madurista sob os olhos de todo o mundo.
Segundo me confidenciou pessoalmente uma grande liderança democrática venezuelana, foram as iniciativas do Brasil que mudaram o jogo e mobilizaram os próprios Estados Unidos a romperem a inércia em que se encontravam até o início de janeiro e a virem colocar seu peso político em favor da transição democrática.
Não foi o Brasil que seguiu os EUA, mas antes o contrário.
Quem não acreditar, pergunte aos venezuelanos que lutam por sua pátria, e que passarão à história como heróis da liberdade.
Perguntem a eles o que acham da política externa de Bolsonaro.
Perguntem aos venezuelanos expulsos de seu país pela fome e pela tristeza e que agora sentem-se à beira de poder voltar para casa.
Perguntem a eles, e não aos comentaristas de política externa, não aos ex-presidentes e ex-ministros do “grande consenso” da inação e da mediocridade.
Perguntem a eles se me veem como a caricatura de um guerreiro medieval com a cruz de Cristo no peito (da qual aliás muito me orgulho) ou simplesmente como um homem que, com todas as sua limitações, está trabalhando para defender a democracia, em benefício de toda a região, essa democracia de que os críticos de Bolsonaro tanto falam mas pela qual nada fazem nunca.
Agora vem FHC, com o mais surrado dos artifícios retóricos: a criação de uma falsa dicotomia.
Segundo ele, as únicas opções são o prosseguimento do “consenso” ou a intervenção armada na Venezuela.
Não, não são as únicas.
Ao contrário de FHC, eu acredito na diplomacia, porque acredito na força da palavra e do espírito humano para mudar a realidade, porque não sou cínico nem materialista, porque acredito no povo brasileiro, esse povo dos “grotões” que FHC abertamente desprezava (assim como desprezava e despreza os eleitores de direita que o fizeram presidente duas vezes), e acredito que este povo tem em suas mãos um destino imenso capaz de mudar o mundo, começando por ajudar na libertação do povo-irmão venezuelano.
Nessa libertação, o sentimento de solidariedade humana para com os venezuelanos coincide com o interesse nacional brasileiro.
Uma Venezuela eternamente chavista-madurista, vivendo do narcotráfico, albergando terroristas de toda estirpe, armando milícias criminosas, financiando crime organizado e movimentos pseudo-sociais em território brasileiro, expulsando seu próprio povo pela fome e pela doença, essa Venezuela seria uma ameaça permanente e tremenda à segurança do Brasil e dos brasileiros.
Fazer algo efetivo a respeito, contribuir para uma Venezuela democrática, é algo que a melhor tradição diplomática brasileira exige e impõe.
Estamos restaurando a verdadeira tradição diplomática brasileira, a tradição de um país livre, soberano, orgulhoso de si mesmo, consciente de sua capacidade e sua responsabilidade de contribuir para o bem da humanidade.
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*Embaixador e atual Ministro das Relações Exteriores.