Divisão de sacrifícios na reforma da previdência 20/03/2019
- NEY LOPES*
Com o retorno do Presidente Bolsonaro dos Estados Unidos, o Congresso retoma o debate da reforma previdenciária.
Volto a escrever sobre este assunto, em razão de mensagens de internautas, sugerindo que esclareça em termos objetivos, de onde viria o dinheiro para viabilizar os “ajustes”, que defendo na proposta em tramitação.
Realmente, para aprovar “ajustes” é fundamental esclarecer a origem do dinheiro, que não cai do céu.
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Uma coisa é certa: os ajustes não ocorrerão, apenas com a redução de despesa.
Terá que ser feito esforço fiscal, na busca de outras “fontes de receita”, sem criação de impostos, apenas regulamentando os já existentes e disciplinando concessões tributárias.
Tenho repetido que o déficit previdenciário existe e a reforma é essencial e inadiável.
Sem nenhuma pretensão de ser o dono da verdade, porém com experiência parlamentar de mais de 20 anos no Congresso Nacional (inclusive presidindo a Comissão de Justiça), tudo se resumiria na definição de proposta equitativa, com justa “divisão de sacrifícios” entre as classes sociais, que não se vinculasse exclusivamente à logica fria do mercado.
A propósito é importante enfatizar que o mercado sempre se ajusta às decisões democráticas dos Parlamentos.
Pode até pressionar durante a discussão dos temas (como ocorre no Brasil), mas aceita a decisão soberana do legislativo e do executivo.
O mercado prefere esse caminho, do que avalizar legislações que conduzam à instabilidade social, ou tenham origem em governos ilegítimos.
Na proposta em tramitação, o que se percebe, além da eliminação de alguns privilégios, são restrições a direitos dos servidores públicos (inclusive militares), assalariados em geral (urbanos e rurais), aposentados e classe média, com o objetivo de reduzir despesas e aumentar a receita.
Sabe-se que as linhas gerais de uma previdência social justa envolverá inevitáveis sacrifícios (aumento da idade limite e outros).
O que se propõe não é um “saco de bondades”, mas sim a preocupação de preservar a equidade e os direitos sociais contidos na Constituição, sem nivelar por baixo as várias categorias sociais.
O Presidente Bolsonaro sugeriu fórmula certa: “a divisão dos sacrifícios”.
Por tal razão consideram-se injustificáveis as “ameaças, medo e terror”, apavorando e pintando quadro caótico, caso o Congresso não aprove integralmente o texto.
Melhor seria buscar os caminhos possíveis, com diferenciações racionais e estáveis, que tornem a proposta justa e assimilada pela sociedade, equilibrando as contas públicas.
Por exemplo: a capitalização poderia existir, desde que o Estado garantisse a integralidade dos benefícios (100%), já que lhe compete fiscalizar o mercado financeiro.
Pela proposta, a garantia assegurada é de um mísero salário mínimo, o que tranquiliza o sistema financeiro (fundos de pensões) e intranquiliza o cidadão-contribuinte.
Como admitir-se que um servidor público concursado, pertencente às carreiras de estado, contribuindo para a previdência sobre o que “ganha”, tenha uma aposentadoria de menos de seis mil reais?
No caso dos militares, mais grave ainda, em razão de ser uma carreira atípica e com rendimentos notoriamente defasados, além de ser exigida dedicação total ao serviço público.
Outra injustiça seriam os trabalhadores rurais serem obrigados esperar 70 anos para perceberem “um salário mínimo” de aposentadoria.
Outro exemplo típico são as viúvas de beneficiários da previdência sofrerem redução brusca de pensões, justamente quando os encargos familiares e pessoais aumentam.
E a retirada do texto constitucional de garantias de direitos sociais?
Repita-se o que falei em artigos anteriores.
Por que considerar-se “intocável” o baixo nível de tributação sobre aplicações financeiras e a atual isenção na distribuição de lucros dividendos da pessoa física, quando pessoas jurídicas e físicas são entes jurídicos autônomos?
Um assalariado, com renda de 8 mil reais, paga imposto de renda de 27,5%.
Já quem fatura mais de 500 mil reais de lucros e dividendos nada paga como pessoa física.
O “mercado” não iria estranhar, porque segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), apenas dois países – Brasil e Estônia – isentam o pagamento da pessoa física, no ganho de lucros e dividendos.
Este imposto já existiu no Brasil, até 1995.
Hoje geraria cerca de R$ 50 bi por ano.
Ressalve-se que a taxação de lucros e dividendos impõe a eliminação do atual imposto sobre lucros, antes de distribui-los.
Por que até hoje não se fala em regulamentar o artigo 153, VII, da Constituição, que cria o imposto de grandes fortunas?
Estudo da Fundação Getúlio Vargas demonstra que esse imposto proporcionaria a arrecadação da ordem de 4% do PIB (cerca de R$ 100 bi).
Para evitar a bitributação haveria de ser reformulado o “atual” Imposto estadual de Transmissão Causa Mortis e Doação.
Por que permanece inalterada a DRU (Desvinculação das Receitas da União), que retira dos cofres da Previdência 30% do valor arrecadado (mais de 100 bi por ano).
Como se explica a União alegar o caos da previdência e beneficiar-se financeiramente dela?
Por que não se passa um “pente fino” nos subsídios e isenções dados pela União que, segundo o TCU, representam 5.4% do PIB, dos quais 44% não sofrem qualquer tipo de fiscalização e são benefícios permanentes?
Com a erradicação de privilégios e “todos” contribuindo, a reforma seria feita, sem transformar-se em fator de grave instabilidade social.
Trata-se apenas de uma questão de equidade e “divisão justa de sacrifícios”, como já afirmou o Presidente Bolsonaro, a quem caberá a “palavra final”, esperando-se que mantenha coerência com sua trajetória política de sensibilidade social.
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*Jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal –