Eleições na embaixada 24/04/2019
- MIGUEL GUSTAVO DE PAIVA TORRES*
Um domingo de outono deslumbrante e azul, na quase sempre poluída e cinzenta Cidade do México.
Fumando, ainda fumava, nos jardins da Embaixada, fiquei alguns minutos olhando os meus meninos tomando café na cozinha do apartamento, no bosque de Chapultepec, muro com muro da embaixada, sob a vigilância da poderosa Hortênsia, gorda, bonachona e cozinheira de mão cheia e apimentada.
Estava na hora de abrir os trabalhos da Seção Eleitoral da Embaixada do Brasil no México.
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Chefiando o Consulado fui designado Presidente da Mesa.
Oito horas da linda manhã de domingo outonal e o primeiro a chegar foi um elegante senhor, vestindo um blazer de tweed inglês, lenço de seda na lapela, e sapatos Oxford.
Sorridente e simpático apertou minha mão e se apresentou: Francisco Julião, bom dia e muito prazer.
Fiquei estático, congelado.
E viajei no tempo na velocidade da luz:
“Este não pode ser o Francisco Julião que passou frente à minha casa, no bairro do Farol, em Maceió, liderando uma caravana de caminhões com trabalhadores rurais armados com foices e facões, no dia em que Miguel Arraes fez um retumbante discurso revolucionário no ginásio do elitista Clube Fênix Alagoana.
Sabia que Julião havia sido exilado no México, e nada mais.
Imaginava um velho irascível com longas barbas brancas desferindo impropérios contra a cruel e mafiosa elite dos ricaços mexicanos.
Mas não.
Ali estava apertando a minha mão um “gentleman”, um lorde latino-americano, que se estabeleceu em Cuernavaca, a cidade da eterna primavera, a meio caminho na descida de dois mil e trezentos metros entre a capital mexicana e Acapulco, o velho resort que ganhou fama com Elvis Presley.
Votou e ficamos papeando.
De repente uma caravana - uma grande caravana -, de ônibus fretados para em frente à nossa embaixada.
E uma massa ordeira e disciplinada de brasileiros adentram a embaixada com papeizinhos nas mãos.
Curiosos, perguntamos a uma senhora de onde vinham e onde moravam.
– Moramos no interior e nossa Igreja nos reuniu e ajudou a vir votar no Presidente.
- Ah! Vocês então são missionários da Igreja Universal do Reino de Deus, completou o elegante Julião, com um leve sorriso no canto da boca.
Mais segura de si, a senhora abriu o papelzinho que carregava e disse: o pastor disse que era para votar no Lula. Mas eu não sei se vou acertar.
- O senhor pode explicar o que tenho que fazer lá dentro, perguntou.
Ri, um riso inteiro, e disse para ela que quando estivesse na cabine ela ia ver os nomes de todos os candidatos, e era só apertar, e pronto.
Ficou agradecida.
Despedi-me com um abraço de Francisco Julião, e fui tomar o meu lugar na presidência da Mesa.
Julião, ainda disse antes de partir:
- O Lula está crescendo, mas esta ele ainda não ganha.
Lula ganhou sim a eleição na Embaixada do Brasil no México, mas perdeu no Brasil.
Fernando Henrique Cardoso foi reeleito Presidente da República Federativa do Brasil, e Lula teve que escrever uma Carta aos Brasileiros para levar na próxima.