Acordo Ortográfico: fracasso linguístico 01/05/2019
- NELSON VALENTE*
O Acordo termina com cem anos de guerra linguística entre Brasil e Portugal?
O português é a língua oficial em nove países da Europa, América, África e Ásia. A dispersão favorece as diferenças linguísticas. Éramos a única língua com duas ortografias diferentes oficiais.
De acordo com o Ministério da Educação, entre 2008 e 2012 foram gastos mais de 2,2 bilhões de reais para atualização de obras didáticas.
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Quando o acordo foi assinado em 1990, os jornais portugueses se comprometeram a não aplicá-lo.
Hoje só o jornal Público mantém a promessa.
Que acordo é esse?
O português brasileiro precisa ser reconhecido como uma nova língua. E isso é uma decisão política.
A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou um requerimento para “realização de Audiência Pública a fim de discutir a revogação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.”
O requerimento, aprovado no dia 25 de Abril, foi apresentado pelo deputado Jaziel Pereira de Sousa e ali subscrito pela deputada Paula Belmonte.
Não dá para impor uma língua de uma hora para outra a um povo.
O padrão da língua no Brasil deve ser a língua falada pela maioria da população brasileira contemporânea, que é o português brasileiro.
Acordo Ortográfico: “aberrações”, “arbitrariedades”, “caos” e “fracasso linguístico”.
Um manifesto dos “Cidadãos em Portugal contra o ‘Acordo Ortográfico’ de 1990”, que é hoje revelado, afirma que este novo modelo de escrita abriu “uma caixa de Pandora”, criou “um monstro” e “não uniu, não unificou, não simplificou” o uso da língua.
O Acordo é um ato lesivo a nosso patrimônio cultural e o Estado não deve regulamentar a ortografia de um povo.
A língua é uma força biológica: não se pode modificá-la com uma decisão política.
Pode-se, quando muito, influenciar o uso.
É uma função dos jornalistas, escritores e da mídia.
Um bom uso mostra-se pela flexibilidade com que as palavras são aceitas.
A língua é feita pelos povos, e não pelos Governos; mas está claro que, a ortografia, é mais de academias.
Qual era a necessidade de unificar?
Entendemo-nos perfeitamente, não há problema algum.
Deveriam respeitar o português daqui e o do Brasil.
O Acordo só dificulta o ensino com seu contexto arbitrário e suas muitas opções facultativas.
Não sou contra; sou a favor da revisão do Acordo.
Se fizer uma mudança radical da ortografia, estará condenando um material histórico à obsolescência em uma geração.
Enquanto mudanças na ortografia derrubam acentos e confundem o sentido das palavras, antigas regras viram bloco de carnaval no Brasil.
Enquanto as regras e contradições são discutidas e a nova norma não é obrigatória, as regras gramaticais viram alvo de brincadeira.
Enquanto mudanças na ortografia derrubam acentos e confundem o sentido das palavras, antigas regras viram bloco de carnaval no Brasil. A situação atual é de um verdadeiro caos ortográfico.
“Saudade” não é exclusividade da língua portuguesa.
A palavra “saudade” não é particularidade da língua portuguesa, ao contrário do mito que existe desde o século XVI.
Na forma ou no sentido, há correspondentes em outros idiomas.
Porque derivada do latim, variantes da palavra existem em outras línguas românicas.
O espanhol tem soledad. O catalão soledat.
O sentido, no entanto, não é o do português, está mais próximo da “nostalgia de casa”, a vontade de voltar ao lar.
A originalidade portuguesa foi a ampliação do termo a situações que não a solidão sentida pela falta do lar: “saudade” é a dor de uma ausência que temos prazer em sentir.
Mas mesmo no campo semântico há correspondências.
Por exemplo, no romeno, mas em outra palavra: dor (diz-se “durere”).
É um sentimento que existe também em árabe, na expressão alistiyáqu ‘ilal watani.
O árabe pode, até, ter colaborado para a forma e o sentido do nosso “saudade”, tanto quanto o latim.
O que ocorre com o dito Novo Acordo Ortográfico é que na verdade Portugal “colonizador” quer colonizar a língua portuguesa.
Veja o exemplo: A antiga Iugoslávia se fragmentou em seis pequenos países e a língua que, então era considerada uma só, o servo-croata, agora se chama bósnio, croata, sérvio, montenegrino…
Mas, para esses nomes aparecerem, ocorreu uma guerra horrorosa, com muitas mortes, uma coisa terrível.
Nos Bálcãs, os sérvios e os croatas entendem-se.
No passado, os que se revoltavam mais ferozmente contra o colonizador haviam estudado na metrópole.
Pode-se massacrar uma população conhecendo-se perfeitamente sua língua e sua cultura.
A miscigenação no Brasil foi muito mais intensa e, evidentemente, a miscigenação linguística também.
O português foi língua minoritária no Brasil durante todo o período colonial.
Falava-se como língua geral o tupi e nossa população, até a época da Independência, era 75% mestiça.
Com os professores brasileiros nas condições em que estão – mal pagos, mal formados, essa mudança pode gerar alguma dificuldade de adaptação.
Este acordo é sobretudo político, fazendo com que os aspectos linguísticos, que deveriam estar à frente das preocupações dos redatores do acordo, quer em Portugal quer no Brasil, tivessem sido ou insuficientemente amadurecidos, ou demasiadamente sujeitos à lógica do acordo, o que implicou cedências, uma uniformização, mas não uma unificação.
Não há uma norma absolutamente comum, não poderia haver.
Tudo o que tenho lido e ouvido sobre o Acordo Ortográfico revela quase sempre posições extremas, a favor ou, mais frequentemente, contra.
É claro que todos têm o direito de se sentirem lesados com estas mudanças, afinal aprenderam a ler e a escrever as palavras da sua língua de uma determinada maneira, e essa maneira de escrever, que se tornou automática, é agora alterada.
A ortografia, ou forma correta de escrever, é um esforço para encontrar uma norma, o menos ambígua possível, de registar graficamente os sons da fala; como tal, implica convencionalidade e até um certo grau de arbitrariedade.
Não é preciso que se escreva exatamente igual para que haja entendimento mútuo e não é porque se estabeleceu uma regra comum que se falará perfeitamente igual em todos os países.
Do ponto de vista político, essa é uma má política linguística.
É importante respeitar as diferenças no modo como as pessoas falam.
Um aluno do interior perguntou-me se deveríamos condenar a linguagem popular, “pois esse pessoal fala de forma inadequada”.
Foi necessário esclarecer a diferença entre linguagem popular e regionalismos.
Primeiro, as expressões, apesar de inovadoras, podem vir a figurar em dicionários e vocabulários de transmissão da norma culta ou padrão, sem nenhuma dificuldade.
Os regionalismos são sempre aceitos.
Em segundo lugar, temos a questão controvertida da chamada popular.
O filólogo Antonio Houaiss (in memoriam) chegou a popularizar o verbete “mengo”, diminutivo do clube mais popular do Brasil.
Mas, ele jamais aceitaria adotar a palavra “probrema” ou “areoporto” – e dar-lhes o status de uma expressão legítima do português contemporâneo.
Vê-se, pois, que há uma abissal diferença entre linguagem popular e regionalismos.
A prosódia, que é a forma de dizer a palavra, tem total liberdade, não se devendo exigir que um gaúcho fale com a mesma pronúncia do que um paranaense.
O que, em virtude do Acordo de Unificação da Língua Portuguesa, que é eminentemente ortográfico, passemos a impor a Portugal ou Angola, por exemplo, o nosso gostoso e incomparável sotaque.
Cada povo que cuide das suas peculiaridades prosódicas.
Mas escrever de uma forma é medida de inteligência e simplificação, que já vem tarde.