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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA
Do nada admirável mundo velho
31/05/2019
- PERCIVAL PUGGINA*

Não chega a ser novidade. A mudança vem acontecendo de modo gradual. Parcela crescente dos brasileiros que um dia confiaram seus votos à esquerda foi mudando de opinião e essa mudança acabou na grande reviravolta da cena política em outubro de 2018. Há quem morra de saudades.
Vale a pena lembrar, muito especialmente a alguns setores da mídia tradicional (estou falando, entre outros, da Folha de São Paulo, Estadão, Zero Hora, O Globo e demais veículos do seu grupo) certos fatos relacionados àquela eleição.
O candidato escolhido pelos partidos que tradicionalmente formavam a maioria do Centrão era Geraldo Alckmin.
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As nove siglas que se coligaram para elegê-lo compunham mais da metade das cadeiras na Câmara dos Deputados.
Contudo, a coligação em torno do tucano acabou obtendo menos de 5% dos votos.
Foi um claro abandono do comandante da nau tucana por seus marujos, que majoritariamente se transladaram para o barquinho de Bolsonaro.
A jogada valeu para assegurar o mandato de muitos.
Diploma pendurado na parede é garantia da autonomia e permite a segunda traição.
Em três meses os ex-marujos de Alckmin e parceiros de Bolsonaro recompuseram o Centrão e já começavam a reabrir a firma quando a opinião pública reagiu nas redes sociais.
Imediatamente deram um passo atrás.
Em tom de mágoa, afirmaram tratar-se de um mal entendido.
Estavam todos cumprindo seus deveres constitucionais.
Nenhuma das três coisas surpreende.
Nem a traição a Alckmin, nem a traição a Bolsonaro, nem a completa traição à verdade contida na afirmação de estarem cumprindo seu dever.
Esta última situação só acontece nas raras ocasiões em que o interesse próprio coincide com as exigências do interesse nacional.
O que realmente surpreende é a defesa que os veículos de comunicação acima mencionados passaram a fazer do Centrão, confundido-o com o Congresso Nacional, buscando torná-lo imune a toda crítica, numa atitude tipicamente bipolar.
Num momento transformam a crítica numa conduta revolucionária, autoritária, capaz de acabar com a democracia; noutro, reduzem a gigantesca mobilização social do dia 26, de apoio ao governo e suas reformas, a Sérgio Moro e a Paulo Guedes, às proporções de um comício na esquina do bar do Zé.
Nunca na minha vida percebi esses mesmos veículos interessados em preservar a boa imagem do Congresso Nacional.
Subitamente, aparecem tomados de um amor fiel e protetor.
Não admitem que se olhe atravessado para seus amados.
Dizem estar protegendo as instituições.
Na mesma linha, comparam a um flerte com o autoritarismo, qualquer crítica a ministros do STF, bem crescidinhos, alias, para se defenderem sozinhos.
Na lógica desse nada admirável mundo velho, as coisas ficam assim:
a) é proibido criticar o Poder Legislativo;
b) é proibido criticar o Poder Judiciário;
c) das fake news às patadas retóricas, estão liberadas as críticas ao Poder Executivo;
d) é proibido criticar a orientação de tais veículos. Quem o fizer será acusado de ser inimigo da liberdade de opinião porque essa é uma das opiniões sem liberdade de expressão.
O fato, porém, é que o nada admirável mundo velho já era.
...
*Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


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