STF fez o certo; a Constituição existe 07/06/2019
- REINALDO AZEVEDO*
Supremo acertou. Depois de alguma confusão, formou-se um 11 a 0 em favor da Constituição. Empresas matrizes, públicas ou de economia mista, mas controladas pelo Estado, só podem ser privatizadas ou ter esse controle vendido com o aval do Congresso.
Por 8 a 3, decidiu-se que as subsidiárias podem ser privatizadas sem esse aval, ainda que o processo deva obedecer a princípios de moralidade pública.
Venceu o estatismo? Não! No primeiro caso, triunfou a letra explícita da Carta; no segundo, a jurisprudência. Ainda que coisas assombrosas tenham sido ditas.
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Ao proferir o seu voto na quarta (5), Roberto Barroso evidenciou que o Supremo pode ser poroso a vagas de opinião que corroem a institucionalidade.
Deixou gravada na memória do tribunal uma fala que é coisa de prosélito e de ideólogo, não de titular da corte constitucional.
Fatio e comento sua fala. Disse: “Eu acho que, no fundo, nós estamos travando um debate político disfarçado de discussão jurídica, que é a definição de qual deve ser o papel do Estado e quem deve deliberar sobre este papel no Brasil atual.”
Errado. O que se votava era a aplicação do que dispõem dois dispositivos constitucionais: o inciso III do parágrafo 1º do artigo 173 e o inciso XXI do artigo 37.
E ambos são explícitos, a qualquer alfabetizado, sobre a necessidade de uma lei que autorize a venda de ativos públicos. Logo, a palavra final é do Congresso.
Os que não gostarem de tais artigos devem patrocinar projetos de emenda constitucional que os alterem. E o Parlamento vai deliberar. Enquanto estiverem na Carta, têm de ser cumpridos.
Barroso não é do tipo que se intimida diante das próprias barbaridades, já o demonstrou antes. E foi além.
“Eu acho STF fez o certo; a Constituição existe que há uma decisão do Executivo. Eu acho que há uma legislação que autorize esse encaminhamento, e acho, e esse já é um debate político, que nós vamos ter de superar esse fetiche do Estado protagonista de tudo e criar um ambiente com mais sociedade civil, mais livre iniciativa, mais movimento social, e menos Estado e menos governo no Brasil, salvo para as redes de proteção social a quem precisa e a prestação de serviços públicos de qualidade, mas esse é o debate ideológico subjacente”.
Há, sim, jurisprudência que autoriza a venda de subsidiárias de estatais.
Foi firmada em 1997 com um voto vencedor do então relator de uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), Maurício Corrêa.
Ainda assim, tratou-se de um dos famosos “duplos twists carpados” interpretativos, que levam ministros a uma leitura libérrima do texto constitucional, mas vá lá.
Fato é que a jurisprudência existe. Acabou prevalecendo.
Para a venda, no entanto, das matrizes das estatais ou do controle de empresas de economia mista, não há caminho alternativo. Só se faria sem o concurso do Congresso se a Constituição fosse ignorada.
E deveria ser irrelevante a opinião que tem um ministro sobre o papel do Estado na economia.
Delego a tarefa especulativa sobre haver ou não um “fetiche do Estado protagonista” aos, quando existirem, “psicanalistas da economia política”.
Isso é linguagem de boteco sofisticado, em que o álcool embala pensamentos holísticos e livre associação de ideias.
Noto, claro, a esperteza da fala de Barroso. O então esquerdista que chegou ao STF pelas mãos assassinas de Cesare Battisti (parabéns, PT!!!) entoa a ladainha de sua conversão supostamente liberal vituperando contra o Estado.
A metafísica de agora é contrária àquela que o levou ao tribunal.
Barroso é mais adepto da economia de supermercado do que da economia de mercado. E, hoje, as gôndolas da ideologia oferecem mais produtos de higiene de direita do que de esquerda.
Mas o ministro pisca para o progressismo com a conversa de preservar “as redes de proteção social”.
Como se viu na sua tentativa de legalizar o aborto “ex officio”, o iluminista das trevas instrumentaliza seu obscurantismo loquaz para seduzir tanto guelfos como gibelinos.
Não caio nessa prosa.
Você quer privatizar todas as estatais, leitor?
Eu também! Desde o tempo em que Barroso tocava flauta para o PT para cavar uma vaga no Supremo.
Que se faça a coisa de acordo com a Constituição, não contra ela. Repudio o papel do psicanalista amador da ordem legal.
Ao fim de tudo, o ministro acabou concordando, no essencial, com a Constituição. Evitou o isolamento. Sua fala, no entanto, serviria de epitáfio à ordem constitucional.