Xeque-mate 23/06/2019
- ELIANE CANTANHÊDE - O ESTADO DE S.PAULO
Em depoimento ao Congresso, Sergio Moro deu a volta por cima sobre os diálogos vazados com uma dúvida que percorre os meios jurídicos e políticos e aflige a sociedade: É para anular tudo? Soltar todos?
Ao responder ao senador Fabiano Contarato (Rede-ES) no depoimento ao Congresso, o ministro Sérgio Moro deu um xeque-mate não só na oposição e no Congresso, mas no Supremo, que julgará nesta terça-feira, 25, o pedido de suspeição de Moro e a consequente anulação de todo o processo que levou o ex-presidente Lula à prisão.
Delegado e professor de Direito, Contarato foi implacável ao citar a Constituição, o Código Penal e a Lei da Magistratura, enfatizou a imparcialidade de juízes como essência da democracia e condenou diálogos que Moro teria tido com procuradores:
PUBLICIDADE
“Se eu, como delegado, fizesse contato com as partes de um inquérito, sairia preso da minha delegacia”.
Os questionamentos, pertinentes, geraram um momento de tensão, mas Moro deu a volta por cima com uma dúvida que percorre os meios jurídicos e políticos e aflige a sociedade:
“O sr., então, quer que se anule tudo?”
O próprio Moro destrinchou o que seria esse “tudo”: anular todos os processos de governadores, parlamentares, empreiteiros, altos funcionários e doleiros condenados pela Lava Jato?
Até dos pivôs Renato Duque e Paulo Roberto Costa?
E devolver todo o dinheiro recuperado, algo próximo de R$ 3 bilhões, para esses condenados e para as empresas?
Xeque-mate, porque é disso que se trata nesse jogo de acusações entre os que condenam Moro pelos diálogos e os que podem até achar que não foram bonitos e corretos, mas nem por isso destroem as provas e o processo de julgamento por tribunais de segundo grau e, no caso do ex-presidente Lula, até pelo Superior Tribunal de Justiça, o STJ.
O efeito, inclusive político, da anulação de “tudo” seria devastador.
O alerta de Moro vale para o Supremo, mais precisamente para a Segunda Turma, que se reúne na próxima terça-feira, pela primeira vez sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, para tratar desse “tudo”.
É nessas horas que eu não gostaria de estar na pele desses ministros, sofrendo enorme pressão de fora, de dentro e, em alguns casos, da própria alma, ou coração.
O pedido de suspeição de Moro, feito pela defesa de Lula em 2018, ganhou força e impacto com a revelação dos diálogos captados do celular do procurador Deltan Dallagnol.
A PGR já se manifestou contra a suspeição de Moro e a anulação do processo, até porque há dúvidas sobre a veracidade integral e a abrangência dos diálogos.
Mas a situação continua muito complexa.
Em votação anterior, Cármen Lúcia e Edson Fachin já se manifestaram contra a petição, mantendo as decisões de Moro e a condenação de Lula.
Eles, entretanto, podem mudar o voto até a publicação do acórdão com a conclusão do julgamento e teriam, em tese, como alegar que surgiram “fatos novos”, ou seja, as revelações do site.
Logo, o julgamento recomeça, na prática, do zero a zero, sem comportar uma saída estratégica e um alívio para os cinco ministros: empurrar o abacaxi para o plenário.
Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski já tentaram isso antes e perderam.
Não há como retomar a discussão.
Como o decano Celso de Mello é um “garantista” empedernido, a aposta seria de três votos a favor da anulação e dois contra.
Só que decisões do STF jamais são simples assim, como uma continha aritmética.
Anular “tudo” seria o fim do mundo, uma convulsão.
Qual a aposta?
Ou uma alternativa de meio termo, menos dramática que esse “tudo”, ou empurrar com a barriga.
PS: Aliás, investigadores acham que Lula e o PT, os beneficiados mais diretos dos diálogos de Moro, não foram os responsáveis pela invasão das contas de autoridades, que é crime.
As suspeitas recaem sobre os próximos da fila da Lava Jato.
Têm muito dinheiro e poder e não são partidos nem políticos.