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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Os números que não mentem
04/07/2019 - WILLIAM WAACK - ESTADÃO

O Brasil tem exemplos a dar em temas ambientais, mas esta não é sua imagem externa.

Números e narrativas não necessariamente coincidem e o Brasil é vítima de uma delas, com relevante repercussão internacional, sobretudo diante do anunciado acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul.

Exemplo clássico de números absolutos que não conseguem “narrar” corretamente uma situação é o da criminalidade.


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No Atlas da Violência do Ipea, verifica-se que São Paulo, com 4.631 mortos, figura entre os primeiros na lista de homicídios de 2017.

Com menos da metade desse número – 2.203 casos – o Rio Grande do Norte está “confortavelmente” lá no meio da lista.

Mas, em termos relativos, o Rio Grande do Norte apresentou uma taxa de 62 mortos (arredondando) por 100 mil habitantes em 2017.

A mesma taxa para São Paulo era de 10, brutalmente inferior à do Rio Grande do Norte.

Vamos agora a um dos pontos nevrálgicos da discussão que o governo brasileiro terá de enfrentar ao tentar convencer europeus – governos e, especialmente, consumidores de produtos agrícolas brasileiros – de que o País atende aos padrões internacionais para o emprego de agrotóxicos.

A narrativa consolidada é a de que o Brasil é o campeão mundial de uso de agrotóxicos, e o número absoluto não mente.

Agrotóxicos são commodities, cotadas em dólares, e o valor do consumo brasileiro é o maior do mundo (indicando, portanto, a quantidade de toneladas compradas).

Mas, considerados em relação à área cultivada, ao tamanho da produção e à média de produtividade em função do uso desses agrotóxicos (um cálculo que leva em conta o consumo em dólares de pesticidas em relação à produtividade média por hectare de agricultura), os números da FAO, a agência da ONU para alimentação e agricultura, colocam o Brasil em situação incomparavelmente mais confortável do que potências europeias como França, Alemanha, Itália e Reino Unido (para curiosidade, os grandes vilões nessa comparação são Japão e Coreia).

Em outras palavras, é o Brasil que deveria acusar e não ser acusado de abusar do uso de agrotóxicos.

Mas o País está acuado no debate internacional e não foi capaz ainda de encontrar uma fórmula para provar que os números que não mentem e contam como são os fatos relevantes deveriam favorecê-lo nas negociações duríssimas, com intrincados interesses cruzados (objetivamente, ambientalistas e protecionistas, por exemplo), que estão apenas começando.

Nessa questão específica, a do uso de agrotóxicos, sucessivos governos brasileiros perderam a batalha de comunicação doméstica também.

Projeto de lei tramitando no Congresso para atualizar normas legais e permitir acesso a agrotóxicos mais modernos (menos tóxicos e venenosos, e que podem ser aplicados em dosagem menor) virou “PL do veneno”.

O debate já se afastou dos argumentos científicos, suplantados pelo berreiro ideologizado.

De fato, o Brasil tem exemplos a dar para o mundo em energia renovável, biocombustíveis, aumento da produtividade na agropecuária e é uma formidável potência produtora de alimentos – sem, para isso, ter aumentada a área cultivada.

Mas não é esta sua imagem externa, uma situação apenas em parte criada por grupos organizados vinculados ou não a interesses governamentais estrangeiros e comerciais.

Diante das avenidas que podem se abrir com o acordo entre Mercosul e União Europeia, o governo brasileiro está diante da urgente necessidade de desenhar uma estratégia que o tire da atual postura defensiva.

Proferir frases contundentes em reuniões internacionais de cúpula, como o G-20, energiza e mobiliza o público cativo interno.

Mas é pouco.

  

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