O Brasil lava mais branco 22/07/2019
- FERNANDO GABEIRA*
Estou em Cananeia, que foi, ao lado de São Vicente, ali pelos anos 30 do século XVI, uma das primeiras cidades do Brasil. Seu fundador chamava-se Cosme Fernandes, mas era conhecido como Bacharel da Cananeia. Era um degredado, juntou-se com uma índia, tornou-se poderoso, não respeitava a Coroa. Um fora da lei.
Esperando a balsa em Itapitangui, soube que o ministro Toffoli proibiu investigações com dados do Coaf, sem autorização judicial. Pensei: um frêmito de alegria deve estar animando os fora da lei do Brasil. Sobretudo os que fazem lavagem de dinheiro.
Como pedir uma autorização judicial sem os dados do Coaf que a fundamentam?
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Lembrei-me de um poema de Vinicius: “Filhos, melhor não tê-los/ Mas se não os temos, como sabê-los?”
A propósito, a última semana foi dominada pelos filhos do Capitão. A decisão de Toffoli partiu de um pedido de Flávio Bolsonaro para deter as investigações, que, aliás, se estendem a vários deputados do Rio de Janeiro.
Isso significa, em primeiro lugar, que o caso Queiroz volta para a gaveta; o esqueleto volta para o armário. Mas revela também uma contradição no discurso de Bolsonaro.
Ele se coloca ao lado da Lavo-Jato nas investigações contra o PT, mas, no momento em que elas rondam sua família, o estado de direito precisa ser salvo.
Nesse caso, surge uma convergência entre os Bolsonaro e um ministro historicamente ligado ao PT porque os objetivos são comuns.
Essa imagem de esqueleto no armário para mim é importante porque tem uma influência decisiva nos grupos partidários. Ela enfraquece as afinidades políticas e fortalece o sentido de cumplicidade. Partilham-se menos as ideias, mais os segredos.
Espantoso escrever sobre a família do presidente como se ainda estivéssemos numa monarquia. Foi esse também o impacto que me trouxe a notícia de que Eduardo Bolsonaro seria indicado para embaixador nos Estados Unidos.
Alguns entusiastas do progresso afirmam sempre que estamos muitos melhores do que nos tempos remotos da humanidade. É indiscutível. Nesse viés otimista poderia, por exemplo, consolar-me com os romanos que comentavam Calígula e seu cavalo Incitatus, nomeado senador.
Mas se o viés for saudosista, ficaria melancólico ao lembrar que o primeiro embaixador do Brasil nos Estados Unidos foi Joaquim Nabuco, uma das figuras mais importantes de nossa história política.
O pressuposto da indicação agora é a proximidade com Trump. Acontece que uma tarefa dessas implica uma relação também com instituições, forças políticas, grupos empresariais.
Dificilmente numa república seria indicado o filho de um presidente para tal cargo. A tendência republicana é buscar um nome experiente e capaz, dada a importância da tarefa.
Nos Estados Unidos, há uma prática mais comum de indicar embaixadores sem tradição diplomática. De um modo geral, são empresários apontados pelo próprio presidente.
Trump tem utilizado muito esse recurso, que não surgiu com ele. Mas os embaixadores que apontou têm provocado polêmicas em várias partes do mundo: Alemanha, Holanda, Israel, com uma atuação política agressiva e algumas gafes.
Talvez seja inspirado em Trump e também na atuação da filha do presidente americano Ivanka que Bolsonaro pensa em dar esse passo. Ivanka acompanha o pai, sob críticas na imprensa, em alguns encontros internacionais.
Não conheço bastante o Senado de hoje para cravar uma previsão. Sei apenas que será algo difícil manter essa escolha, e ela dará margem a um grande psicodrama político.
A quantidade de memes e piadas mostra que o tema caiu no universo do humor. Dispensa grandes considerações teóricas, pois grande parte das pessoas compreende o que se passa e o expressa de uma forma muito mais criativa.
A tarefa dos senadores será considerar se esta é uma boa escolha e funcionar como um contrapeso ao poder do presidente.
Aqui no extremo meridional paulista, na histórica Cananeia, busco o consolo no passado. Estamos melhor que Roma Antiga nas nomeações e chegamos ao estágio da Suíça. Mas a Suíça do tempo em que era famosa por lavar mais branco.