O ódio verde 20/08/2019
- Joel Achenbach - Washington Post
Antes do massacre de dezenas de pessoas em Christchurch, Nova Zelândia, e El Paso, no Texas, neste ano, os acusados tentaram explicar sua fúria, incluindo o ódio aos imigrantes.
As declarações que os assassinos publicaram na internet compartilham outra obsessão: superpopulação e degradação ambiental.
O atirador de Christchurch, acusado de perseguir muçulmanos e matar 51 pessoas em março, declarou-se um "ecofascista" e criticou as taxas de natalidade dos imigrantes.
PUBLICIDADE
A declaração ligada ao atirador de El Paso, acusado de matar 22 pessoas em um centro comercial no início deste mês, lamenta a poluição da água, resíduos de plástico e a cultura de consumo americana que está "criando um fardo enorme para as futuras gerações".
Os dois tiroteios em massa parecem ser exemplos extremos de ecofascismo — o que Betsy Hartmann, professora emérita de Hampshire, chama de "o ódio verde".
Muitos supremacistas brancos se apegaram a temas ambientais, estabelecendo conexões entre a proteção da natureza e a exclusão racial.
Essas ideias mostraram-se particularmente perigosas quando adotadas por indivíduos instáveis propensos à violência e convencidos de que devem tomar medidas drásticas para evitar a catástrofe mundial.
O alegado documento do atirador de El Paso é cheio de desespero existencial: "Toda a minha vida tenho me preparado para um futuro que atualmente não existe".
Nos últimos anos, o movimento ambientalista buscou fortemente a justiça social.
Agora, os líderes dessas organizações temem que os nacionalistas brancos estejam usando mensagens ambientalistas para fazer os jovens adotarem agendas racistas e nativistas.
"O ódio está sempre procurando uma oportunidade de se vincular a alguma coisa", diz Mustafa Santiago Ali, vice-presidente da National Wildlife Federation (organização privada sem fim lucrativo que defende o meio ambiente nos EUA) e especialista em justiça ambiental.
"É por isso que eles usam essa linguagem ecológica que existe há algum tempo e tentam reformulá-la."
Michelle Chan, vice-presidente de programas da Friends of the Earth (Amigos da Terra, presente em 76 países), diz que "o ecofascismo é mais uma expressão da supremacia branca do que do ambientalismo".
"Apocalipticismo"
Tudo isso está acontecendo em uma era retoricamente e ideologicamente em que o discurso público está se tornando tóxico, não apenas nos cantos escuros da Internet, mas entre aqueles que ocupam os cargos eletivos mais altos.
Ativistas ambientais querem criar um senso de urgência sobre a mudança climática, a perda de biodiversidade e outras agressões ao mundo natural, mas eles não querem que suas mensagens levem as pessoas a adotar ideologias dementes.
Há um perigo de "apocalipticismo", afirma Jon Christensen, professor assistente da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), que escreveu extensivamente sobre o uso indevido de cenários ambientais distópicos.
É importante, diz ele, fornecer às pessoas potenciais soluções e razões para ter esperanças.
"Há definitivamente o perigo de as pessoas tomarem medidas terríveis quando sentem que não há saída".
Hartmann, que acompanha o ecofascismo há mais de duas décadas, ecoa essa advertência, dizendo que os ambientalistas "precisam se afastar desse discurso apocalíptico porque ele facilmente pode ser manipulado pelo nacionalismo branco apocalíptico".
Os líderes de várias importantes organizações ambientais disseram nesta semana que a supremacia branca é o oposto de seu movimento.
"O que vimos no manifesto de El Paso é uma ideologia míope, odiosa e mortal que não tem lugar no movimento ambientalista", afirma Michael Brune, diretor executivo do Sierra Club.
Andrew Rosenberg, diretor do Centro de Ciência e Democracia da União de Cientistas Preocupados, faz coro.
"Precisamos nos manifestar para que nossos membros saibam que sob nenhuma circunstância estamos comprando esse tipo de filosofia."
Sangue, solo e eugenia
Os atiradores de El Paso e Christchurch não vieram do movimento verde. Os documentos que escreveram são focados em raça, identidade cultural, imigração e o medo da substituição dos brancos por pessoas de outras raças. A parte "eco" da equação é sem dúvida um complemento.
Mas esses assassinos não criaram suas ideologias odiosas do nada. Eles exploraram ideias sobre a natureza que estão em ampla circulação entre os nacionalistas brancos.
Antes do comício "Unite the Right", em Charlottesville, em 2017, por exemplo, o líder nacionalista branco Richard Spencer publicou um manifesto que tinha como objetivo proteger a natureza.
O ecofascismo tem raízes profundas. Há um elemento forte disso na ênfase nazista em "sangue e solo" e na pátria, e a necessidade de um espaço vital purificado de elementos estranhos e indesejáveis.
Enquanto isso, líderes dos grupos ambientais tradicionais reconhecem que seu movimento tem uma história imperfeita quando se trata de raça, imigração e inclusão.
Alguns primeiros conservacionistas abraçaram o movimento eugênico, que via o "darwinismo social" como uma maneira de melhorar a raça humana, limitando as taxas de natalidade de pessoas consideradas inferiores.
"Há uma idéia do movimento eugênico de que a natureza, a pureza e a conservação estavam ligadas à pureza da raça", diz Hartmann, autor de "The America Syndrome: Apocalypse, War and our Call to Greatness" ("A Síndrome da América: Apocalipse, Guerra e Nosso Chamado à Grandeza", sem edição no Brasil).
Os conservacionistas têm uma longa história de luta com questões sobre imigração e crescimento populacional.
Alguns dos que estão na esquerda ambiental viram a explosão na população humana — que está se aproximando de 8 bilhões e mais do que dobrou no último meio século — como um fator primordial da crise ambiental. Esse argumento foi então adotado por racistas.
O suposto atirador de Christchurch começou seu discurso publicado na internet escrevendo: "É a taxa de natalidade. É a taxa de natalidade. É a taxa de natalidade" e depois avisou da "invasão" de imigrantes que "substituirão os brancos que não conseguiram se reproduzir".
O documento publicado pelo atirador de El Paso cita taxas de nascimento entre os "invasores" que tentam entrar nos EUA.
"Se pudermos nos livrar de pessoas suficientes, então nosso modo de vida pode se tornar mais sustentável".
Essa linha de pensamento é desanimadora para Paul Ehrlich, 87 anos, professor emérito de Stanford cujo best-seller "The Population Bomb" ("A Bomba Populacional"), de 1968, provou ser extremamente influente.
"Eles costumam me citar, apesar de eu ter passado a vida tentando lutar contra o racismo", diz Ehrlich.
John Holdren, professor de Harvard que foi coautor de artigos com Ehrlich e que depois serviu oito anos como conselheiro científico do presidente Barack Obama, diz que o movimento ambientalista lutou décadas atrás com a percepção racista da ênfase no crescimento populacional.
"Muitas pessoas sentiram que estavam ficando queimadas falando sobre o crescimento populacional e seu impacto negativo", afirma Holdren.
Como resultado, ele diz, os líderes do movimento começaram a se concentrar na educação e empoderamento das mulheres, o que levou à queda das taxas de natalidade em todo o mundo.
Um refrão entre os ambientalistas é que, se os grupos anti-imigrantes estão genuinamente preocupados com a degradação do mundo natural, eles estão atacando as pessoas erradas.
A mudança climática não tem sido impulsionada por pessoas pobres que lutam para sobreviver.
As atividades das nações ricas têm sido a principal fonte histórica de emissões de gases de efeito estufa, do esgotamento de recursos naturais e da destruição de habitats.
Ali, especialista em justiça ambiental, disse que muitas vezes ouve as pessoas dizerem que o crescimento populacional é o grande problema hoje em dia, e ele rejeita isso.
"Minha resposta para eles é: 'Quem são as pessoas que precisamos limitar? Quem são as pessoas que tomam decisões sobre isso?' Até que tenhamos verdadeira eqüidade e igualdade e um equilíbrio de poder, então sabemos que as comunidades vulneráveis vão acabar no lado negativo do livro, sejam quais forem as escolhas difíceis'”, diz Ali.