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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O filho de Jair e o marido de Verdevaldo
18/09/2019 - JOSÉ NÊUMANNE - O ESTADO DE S.PAULO

Ainda em 2018, o Estadão publicou informação exclusiva de que Fabrício Queiroz, ex-motorista do então deputado estadual fluminense Flávio Bolsonaro, teve movimentações financeiras atípicas de R$ 1,2 milhão flagradas pelo órgão de inteligência financeira, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Logo de saída, argumentou-se que não fora R$ 1,2 milhão, mas R$ 600 mil, pois a transação implicava depósito e saque. Tudo bem. E daí? Segue sendo quantia inusitada considerando a renda do investigado.

Muita água suja já passou debaixo dessa ponte. O pai do ex-deputado e agora senador, com faixa presidencial e tudo, teve de explicar R$ 24 mil depositados na conta da primeira-dama, Michelle. Disse que emprestou R$ 40 mil e aquilo era parte do pagamento.


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Quase um ano se passou e a versão de Queiroz, dita “plausível” por Flávio, mudou mais do que o tempo em São Paulo: ganhava dinheiro vendendo carros usados, essa foi sua pálida desculpa amarela.

Nada que justificasse R$ 130 mil pagos em dinheiro vivo por tratamento de saúde que o obriga a morar no bairro do hospital mais caro do Brasil, o Albert Einstein: o Morumbi, em São Paulo.

É o mesmo onde vive Marcelo Odebrecht, ora libertado em cumprimento de penas sempre piedosas aplicadas a corruptos e ricaços no Brasil.

Seria mais comum encontrar policiais militares aposentados, caso de Queiroz, na favela de Paraisópolis, a uma distância também curta do centro médico de excelência. Mas, definitivamente, não é o caso.

Nem por isso o nobre senador teria motivos para tentar interromper o inquérito do Ministério Público (MP) do Rio sobre a gestão financeira do gabinete que ocupava na Assembleia Legislativa (Alerj) daquele Estado.

Na ordem natural das coisas, presumíveis inocentes prefeririam ser investigados, inocentados e autorizados a cantar de galo no cafezinho do Senado por terem paralisado a investigação pela porta certa, a do arquivamento.

Mas ele, não. Perdeu em todas as vezes que tentou, menos no último recurso de sua defesa, deferido em plantão pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.

A benemerência é a prova mais contundente, capaz de calar, mas nunca convencer, os pios devotos da nova seita evangélica, o bolsonarismo militante, cujo teólogo-mor, Olavo de Carvalho, tornou o “mito” um deus, ao pregar o culto à imagem do papai presidente.

O permanente advogado do PT incluiu na recepção do pedido esdrúxulo a decisão ainda mais inusitada de proibir o compartilhamento de informações do citado Coaf, da Receita Federal e do Banco Central com o Ministério Público e a Polícia Federal (PF).

E anistiou na prática todos os investigados por crimes similares no País, incluindo a própria mulher, Roberta Rangel, e a do coleguinha Gilmar, Guiomar Mendes.

De repente, não mais que de repente, o pai de Flávio tirou do bolso do colete o nome do advogado-geral da União, André Mendonça, promovido na carreira inteira pela proteção de Toffoli, para o mui cobiçado posto do decano dodói do STF, Celso de Mello, a ser aposentado em novembro de 2020. Daqui a 14 meses.

Muitas qualidades do dr. Mendonça, pastor presbiteriano, ainda desfilarão nos pronunciamentos do capitão, além dos já usados “terrivelmente evangélico” e “mais supremável do que Moro”.

São prestações a serem honradas para garantir a troca.

Enquanto isso, o próprio beneficiário tem feito o que pode para evitar que o protetor ceda à pressão do plenário para convocar uma sessão que possa revalidar ou invalidar a mais do que infame decisão monocrática de Toffoli.

O colega de plenário Alessandro de Oliveira (Cid-SE) tentou atravessar o samba do filhote aflito.

E o primogênito do capitão não se fez de rogado: negou-se a assinar o pedido da instalação da CPI da Lava Toga.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), lançado e ungido pelo chefe da Casa Civil de papi, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), jogou a requisição no bueiro do inferno.

De olho na impopularidade crescente do STF, contudo, três dos quatro senadores do PSL, legenda pela qual se elegeu papai capitão, ajudaram a completar o número mínimo exigido para a instalação da incômoda comissão de inquérito.

Flavinho teve de jogar fora a fama de bom menino e resolveu falar grosso com a parte que ele considera mais frágil, como machista de berço: a senadora Juíza Selma, que é do PSL de Mato Grosso, mas já anunciou em entrevista ao repórter Luiz Maklouf de Carvalho, do Estado, que, enquanto este texto circula no Blog do Nêumanne, ela já estará filiada ao Podemos.

A Juíza Selma não quis entrar em detalhes na entrevista publicada no Estadão de domingo, mas até os patos que nadam no lago que circunda o palácio onde papai Jair trabalha já estão sabendo que Sua Excelência não usou com a nobre colega parlamentar palavras compatíveis com o bom trato social.

O nada nobre colega acusou-a pelo telefone de, digamos, atrapalhar (o verbo usado é impublicável neste blog familiar) o governo.

Esta acusação contra a CPI ainda não havia sido usada antes para justificar a decisão do senador Bolsonaro de se opor a ela.

Trata-se, por isso, de uma indiscrição imperdoável.

Mas antes da intervenção do padrinho Toffoli, por exemplo, ele costumava associar as peraltices contábeis de seu ex-assessor Queiroz às tais tentativas de prejudicar o governo do papai.

A criação de ruídos e tumultos na relação entre os Poderes foi usada pelo líder do Senado no governo (é isso mesmo que quis escrever), senador Fernando Bezerra Coelho, para votar contra a PEC do senador Oriovisto Guimarães (Pod-PR), que impunha limites a decisões monocráticas e prazos de vista para supremos mandatários do mandarinato absoluto do STF.

Outra, que também foi usada, seria sua natureza inconstitucional.

A deputada estadual paulista Janaina Paschoal, professora da Faculdade de Direito, e do PSL como Flavinho, já deu seu parecer contrário.

Com a autoridade no assunto que nem Coelho nem o “01” do capitão têm.

Por falar em Oriovisto Guimarães, convém acrescentar que na entrevista desta semana a este Blog do Nêumanne ele narrou, sem os pruridos que a senadora teve na entrevista impressa, que o pacto Alcolumbre-Maia-Toffoli-Bolsonaro é moeda corrente nas reuniões do Congresso.

Flavinho, encarregado de cuidar da justiça entre partes, negocia seus termos na calada da noite em residências oficiais de pactuários.

Nessas ocasiões, pratica a postura educada dos meninos de boa família, instruídos pelos pais comme il faut: em volume baixo, prefere o linguajar escorreito das piadas de caserna aos palavrões desferidos contra inimigos em reuniões de milicianos e seus parentes.

No universo ecumênico da política brasileira, não é incomum que problemas comuns ocorram com militantes de tendências opostas.

O nome de André Ceciliano, petista que preside a Alerj, era o mais citado por quem acusava a “extrema imprensa” de proteger a esquerda, pois este não tinha o mesmo destaque do filhote do presidente.

Agora, contudo, sobe às highlights da mídia o deputado David Miranda (PSOL-RJ), flagrado por movimentações financeiras de R$ 2,5 milhões, o dobro do flagrado com Queiroz/Bolsonaro.

Primeira explicação: “só” teria sido R$ 1,75 milhão.

Já tinha visto isso em algum lugar, leitor amável?

Pois então.

E mais: Glenn Greenwald, o mais novo herói do ministro do STF Gilmar Mendes, chamou de “corruptos” e “propagandistas” da Lava Jato os repórteres do Globo Juliana Dal Piva e João Paulo Saconi, que publicaram a notícia.

Como é público e notório, a operação de agentes da lei investiga em nome do Estado casos de corrupção.

E os repórteres publicaram o que poderia ter sido feito por qualquer um.

O Ministério Público do Rio esclareceu a quem interessar possa, o casal Miranda Greenwald inclusive, que a investigação é de 2014 (mesma data da Lava Jato) e os dados sobre o parlamentar se tornaram públicos em agosto.

Ao contrário do que seus parceiros repetem, Greenwald não é jornalista.

De suas origens se sabe que trabalhou na indústria da pornografia em Nova York, de cuja prefeitura sonegou impostos.

No caso famoso de seu site IntercePT Brasil, há indícios de que estaria divulgando mensagens obtidas ilicitamente pelos “arararraquers”.

E, assim, como esclareceu na semana passada o presidente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, desembargador Victor Laus:

“Diuturnamente, no tribunal, anulamos várias investigações derivadas de prova ilícita. Nesse caso, nós não podemos sequer começar uma investigação porque tudo se origina de uma prova ilícita, uma invasão de privacidade daqueles usuários do aplicativo Telegram”.

Deu para entender?

  

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