Movimento antifelícios 20/09/2019
- MENTOR NETO - ISTOÉ
Felício não é um sujeito otimista. Motorista de táxi há mais de 30 anos, seria ótimo se contaminasse seus passageiros com alegria, bom humor e alto astral. Mas não é o que ocorre. Não existe uma notícia boa que Felício não consiga converter em algo ruim.
Felício trabalha no ponto de táxi ao lado de casa. Sempre que vou à padaria passo por ele.
— Tudo certo, Felício?
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— De certo só a morte, doutor — responde ele, chutando uma pedrinha no asfalto.
Freguês antigo, acompanhei a história do Brasil pela leitura ranzinza do Felício.
Na eleição do Collor ele mandou:
— Esse almofadinha vai quebrar o País. Pode anotar aí.
Veio o Itamar:
— Um presidente que ninguém sabe quem é. Tamo encrencado mesmo…
Fernando Henrique:
— O senhor sabe que esse FHC é um comunista dos graúdos, né? Agora ferrou.
Chegou o Lula:
— Esse nunca me enganou. Agora afunda de vez.
Veio a Dilma:
— Isso é um Lula de saias.
Bolsonaro:
— Pronto. Elegemos um ditador, pode esperar.
O mau humor de Felício se espalha por todos os setores.
Felipão, Tite, Muricy e Mano Menezes:
— Não entendem patavinas de futebol. Depois tomamos de 7 a 1 e não sabemos o porquê.
Sandy, Marisa Monte, Nando Reis:
— Eu não gosto de canário. Começou a cantar, desligo.
Mas é na política que Felício prefere atuar.
Quando Haddad criou as ciclovias, ele garantiu:
— Tudo feito sem nenhum planejamento. Ciclofaixa com poste no meio. Não vai dar certo.
Agora o prefeito resolveu pintar as ciclovias de preto. Vermelho, só nos cruzamentos. Felício se contradiz sem nenhum constrangimento, em nome do seu mau humor.
— Tava tudo ótimo como era. Ô gente para estragar o que já estava bom.
Quando a velocidade das marginais baixou:
— Como assim? Não entendem o que é via expressa, não?
Aí veio outro prefeito e aumentou a velocidade.
— Será que ele não viu como despencou o número de atropelamentos?
No passado, eu me divertia com a rabugice do Felício.
Quando a corrida começava, dizia algo incontestavelmente positivo só para ver o que ele diria.
— Começou o verão. Que bom, não é Felício?
— Bom pro senhor, que trabalha no ar-condicionado. O ar do táxi quebrou e custa mais caro arrumar do que trocar de carro. Fico parado o dia todo no trânsito nesse calor infernal, sofrendo que nem um camelo.
— Você prefere o inverno, é?
— Deus me livre de frio. Inverno as pessoas saem menos e eu não faturo nada.
Foi na última corrida, semana passada, enquanto Felício explicava porque a economia do País está irreversivelmente indo para o buraco e que, em breve, teremos inveja da Argentina, que me dei conta que Felício não está sozinho.
Quando as redes sociais surgiram, a gente achou que compartilharíamos conhecimento, lembra?
Que nada. As redes só provaram o velho ditado que notícia ruim é que vende. Basta ver tamanha quantidade de posts e tuítes criticando tudo e todos.
Aos poucos, nos tornamos todos uns Felícios. E o que chamamos de polarização virou, na verdade, a inédita união do País em torno de um único objetivo: descer o pau.
Tive essa epifania enquanto Felício desfiava seu novelo de más notícias.
Confesso que fiquei envergonhado. E decidi mudar.
Por isso, conclamo você, brasileiro, a se unir ao Movimento Antifelícios.
Nossa missão será colecionar boas notícias e compartilhar com nossos amigos nas redes sociais e na vida real.
Vamos colocar nossos óculos cor-de-rosa e sair por aí na contramão do mau humor.
O primeiro que encontrar alguma coisa boa para contar avisa os outros.