Em rota de colisão 04/08/2007
- Rudolfo Lago - Revista ISTOÉ
Vaiado até em capitais do Nordeste, o presidente Lula volta a abusar da tática de culpar as elites, revelando pouca disposição de conviver com críticas
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a Cuiabá (MT) na terça-feira 31, topou logo com um entrevero entre um grupo de agentes penitenciários e 20 policiais militares. Os PMs arrancaram dos manifestantes faixas em que eles pediam a criação de uma polícia penitenciária.
Dentro do carro oficial, Lula fechou o semblante. Calou-se e começou a puxar os fios dos seus bigodes, cacoete do presidente quando alguma coisa começa a incomodá-lo profundamente.
Um pouco mais adiante, um grupo de cerca de 20 pessoas, de acordo com a PM, e de 60 a 70 pessoas, segundo os organizadores, preparava-se para vaiar Lula num trevo no caminho. Era o movimento “Eu também vou vaiar Lula”, organizado pelo PSDB.
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A comitiva foi levemente desviada para passar em alta velocidade pelo lugar da manifestação. Mesmo assim, Lula notou-a. Intensificou o hábito de puxar seus bigodes e fechouse ainda mais.
Quando chegou ao Centro de Eventos do Pantanal para um evento fechado com uma platéia escolhida para aplaudir Lula e a liberação de R$ 521,5 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o presidente surpreendeu seus assessores esquecendo o discurso combinado e improvisando um duro desafio àqueles que começam a cultivar o hábito de vaiá-lo, desde os sonoros apupos que recebeu na abertura dos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro.
“Eu não estou fazendo comício. Mas se alguns quiserem brincar com a democracia, eles sabem que neste país ninguém sabe colocar mais gente na rua do que eu”, bradou Lula.
O presidente já tinha manifestado o seu desagrado com as vaias que levou na abertura do Pan e nas recentes visitas a João Pessoa (PB), Aracaju (SE), Natal (RN) e até em São Paulo, onde parentes das vítimas do acidente do avião da TAM juntaram- se a políticos e empresários numa manifestação na avenida Washington Luís, paralela ao Aeroporto de Congonhas – passeata organizada pelo movimento “Cansei”, liderado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e diversos empresários.
No fim de semana passado, Lula voltou a invocar o fantasma das elites e da divisão do País entre Norte e Sul e entre ricos e pobres – dos quais ele seria o representante legítimo.
“Enquanto a classe dirigente fica brigando pequeno, fica com mesquinharia, o povo fica sofrendo, na expectativa de que apareça um milagroso para salvá-lo, e não tem”, disse ele em João Pessoa (PB).
“O Lula tem alguma coisa contra o Sul? Pelo contrário. Devo tudo o que sou ao Sul-Sudeste brasileiro”, bradou. M
as ao explicar a “paixão por desenvolver o Nordeste, Lula escorregou e comparou-se a um pai que dá atenção ao filho mais frágil:
“A gente cuida daquele mais fraquinho”, disse na sexta-feira 27 em Natal.
Numa reunião na segunda-feira 30 no Palácio do Planalto com o grupo de coordenação política, Lula fora informado de que aconteceriam novos protestos em Cuiabá (MT).
“Ninguém vai me emparedar”, avisou Lula. “Eu não vou me trancar no Palácio do Planalto com medo das pessoas. É isso o que eles exatamente querem que eu faça”, continuou. De fato, logo depois da tragédia da TAM, o presidente havia cancelado as viagens que faria ao Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, esperando que nas capitais nordestinas, onde mantém altos índices de aprovação, ele não fosse vaiado – o que não se verificou.
Para complicar, pesquisas encomendadas pelo governo indicaram a queda da popularidade de Lula, principalmente em São Paulo e nas classes média e alta.
Alguns ministros argumentaram que os protestos eram ainda isolados e pequenos. O de São Paulo fora maior, não pelo desagrado com o governo, mas pela comoção com o acidente.
Foi a senha para que o desafio começasse a ser construído na cabeça de Lula. O próprio prefeito de Cuiabá, Wilson Santos, do PSDB, resolveu ironizar o protesto:
“Não dá para formar um time de futebol de salão”, comentou.
Lula, então, animou-se. Comparou as manifestações às Marchas com Deus pela Liberdade em 1964, que deram o respaldo ao golpe militar. E completou com um paradoxo: depois de se reeleger realçando as suas políticas sociais, voltadas para as populações de baixa renda, o presidente informou que, na verdade, governou mais para os ricos.
“Pobre é que deveria se zangar”, soltou.
Para Roberto Romano, professor de ética da Unicamp, Lula, envaidecido pelos altos índices de popularidade, acabou desenvolvendo uma personalidade baseada na egolatria.
Romano notou que o presidente pronunciou sete vezes a palavra “eu” num programa Café com o presidente de 15 dias atrás.
Na quinta-feira 2, enquanto um grupo organizava na internet passeatas conjuntas contra Lula em 13 capitais do País a partir das 14h do sábado 4, a Executiva do PT autorizava o início da organização de movimentos de reação, de apoio ao governo, junto a grupos estudantis e sindicais.
No mesmo dia, o programa nacional do PT, veiculado em cadeia de tevê às 20h30, já procurou dar algumas respostas: bateu na tecla de que o PT é o partido mais comprometido com a justiça social, com as causas dos trabalhadores, com o combate às desigualdades. E terminou com a leitura de uma nota de pesar do partido aos parentes das vítimas do acidente da TAM.
Nos dias 7, 9 e 11 de agosto, irão ao ar as inserções de 30 minutos durante os horários comerciais, que terão o mesmo tom.
O acirrramento que vem sendo proposto preocupa o diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra.
“Eu espero sinceramente que isso não prospere. Nós estamos a três anos das eleições, e esse clima de acirramento de posições agora não faz sentido”, avalia ele.
Para Coimbra, as pesquisas demonstram que a cada dia aumenta o fosso que separa os mais escolarizados dos menos escolarizados, as classes alta e média das camadas mais pobres quando se trata do apoio a Lula.
“É verdade que isso se verificou já nas eleições, mas o normal seria que, passada a eleição, a coisa amainasse, e não é isso que se verifica”, observa.
“É fácil para Lula e o PT atribuírem o que está acontecendo a uma campanha da mídia, e não a seus problemas gerenciais”, diz Coimbra. Esse distanciamento, observa, não vira queda na popularidade de Lula porque ele cada vez mais compensa perdas na classe alta com conquistas de eleitores na classe baixa.
Mas há um temor: cada vez mais cercado dos seus, Lula pode ficar ainda mais alheio à percepção dos problemas que exigem uma reação rápida.
O que se evidencia em todos esses episódios é a flagrante incapacidade de Lula de conviver com críticas. Essa característica é agravada pelas tentativas, às vezes veladas, às vezes manifestas, do presidente de criar uma espécie de “apartheid social”, jogando ricos contra pobres ou Norte e Nordeste contra Sul e Sudeste.