Vôo 1907: um ano depois, familiares permanecem sem respostas 29/09/2007
- Folha Online e Leonardo Goy - Estadão
Há um ano, familiares de passageiros do vôo 1907 da Gol aguardam os resultados da investigação da Aeronáutica sobre o acidente com o Boeing da companhia área e o jato Legacy da empresa americana ExcelAire. Os dois aviões bateram no ar, por volta das 17h do dia 29 de setembro do ano passado, causando a morte dos 154 ocupantes do Boeing.
O avião da Gol que fazia o vôo 1907 seguia de Manaus (AM) para o Rio, com escala em Brasília (DF), quando bateu em um Legacy da empresa de taxi aéreo dos Estados Unidos. Os destroços do Boeing caíram em uma mata fechada, a 200 km do município de Peixoto de Azevedo (MT). Mesmo avariado, o Legacy, que transportava sete pessoas, conseguiu pousar em segurança em uma base na serra do Cachimbo (PA).
O acidente -- até então o maior já ocorrido no país-- expôs a fragilidade do controle aéreo brasileiro e levou a uma crise no setor que culminou em troca de comandos e em CPIs (Comissões Parlamentares de Inquéritos).
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As investigações sobre o acidente conduzidas pela PF (Polícia Federal) apontaram responsabilidade dos pilotos americanos Joe Lepore e Jan Paladino, do Legacy. O Ministério Público Federal acusou, além deles, quatro controladores de tráfego aéreo pelo acidente, apontando suposta falha humana.
A Justiça já começou a ouvir os envolvidos no processo, mas ficou sem a versão dos americanos, que, no mês passado, faltaram à audiência na Justiça Federal de Sinop (MT) e serão julgados à revelia.
Paralela à investigação da PF, a colisão foi alvo de CPIs na Câmara e no Senado, além de investigação pela própria Aeronáutica. E o resultado da apuração é uma das reivindicações da Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Vôo 1907.
¨A gente não tem ainda a conclusão das investigações do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), que estava prometida aos familiares para setembro. Até agora nenhuma informação foi passada à Associação sobre quando o Cenipa faria uma nova reunião com os familiares para colocar o resultado da conclusão dessa investigação¨, reclama Angelita De Marchi, vice-presidente da Associação.
O Comando da Aeronáutica afirma que os trabalhos não têm como objetivo apontar a culpabilidade pelo acidente, mas fazer uma análise técnica do que aconteceu e recomendar medidas de segurança que evitem novos acidentes. Para o coronel-aviador Rufino Antonio da Silva Ferreira, Presidente da Comissão de Investigação de Acidente Aeronáutico, o prazo da investigação está dentro do esperado por se tratar de um acidente de grande porte.
O Legacy trafegava em altitude diferente da prevista no plano de vôo. Entre as dúvidas sobre o acidente que permanecem sem resposta está o motivo pelo qual o transponder do jato estava inoperante -- o transponder aciona o TCAS (sistema anticolisão), que avisa os pilotos, visual e sonoramente, em caso de aproximação perigosa de qualquer objeto. Há suspeita de defeito ou falha humana ao manipular o aparelho.
Também é investigada a falha de comunicação entre o controle de tráfego aéreo e o jato da empresa americana. A Aeronáutica descarta a existência do chamado ¨buraco negro¨ no espaço aéreo brasileiro. Ontem, véspera de um ano do acidente, a FAB (Força Aérea Brasileira) voltou a negar falhas em seu sistema de controle do tráfego aéreo e a afirmar que ¨algumas normas e procedimentos não foram corretamente executados¨.
Até agora, as principais conclusões da Aeronáutica sobre o acidente eximem o próprio sistema de radares da FAB e o sistema anticolisão e o rádio do Legacy de terem causado o acidente.
Entre os procedimentos que não foram respeitados, segundo a Aeronáutica, estão o ingresso do Legacy, sem solicitação, na chamada aerovia UZ6 e o fato de não haver tentativas de comunicação entre o avião e centro de controle entre as 15h51 e as 16h26.
O coronel-aviador Rufino Antonio da Silva Ferreira, presidente da comissão que investiga o acidente, afirma que a prioridade da FAB é a de realizar recomendações de segurança baseadas no caso. ¨A confecção de recomendações de acordo com os fatores levantados, pode tomar algum tempo adicional em relação à previsão de 12 meses¨, diz.
Ao todo, desde o início das investigações, 51 recomendações já foram emitidas pelo Cenipa.
Crise
A crise aérea vivida no país após o acidente com o vôo 1907 foi agravada por operações-padrão de controladores de tráfego aéreo e falhas em equipamentos. As conseqüências foram sentidas em efeito cascata por todo país, com cancelamentos, atrasos, e aeroportos cheios.
Em 30 de março, controladores promoveram um motim que paralisou o espaço aéreo do país por aproximadamente cinco horas.
O governo sinalizou negociar com os controladores, que reivindicavam melhores condições de trabalho. Para retomar o controle da situação, em junho, a Aeronáutica afastou de suas funções profissionais classificados como ¨lideranças negativas¨ no Cindacta-1. Para o Comando, os controladores praticaram ações de insubordinação -- com punição prevista para os militares.
A crise no setor se agravou em julho, com o acidente com o Airbus da TAM em Congonhas (zona sul de São Paulo), que deixou 199 mortos. Após o acidente, deixaram os cargos quatro dos cinco diretores da Anac; o brigadeiro José Carlos Pereira, então presidente da Infraero; e Waldir Pires, que era ministro da Defesa. No lugar dele assumiu Nelson Jobim.
O relator da CPI do Apagão da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), não pediu o indiciamento dos diretores da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) por responsabilidade na crise aérea. A decisão dele fez com que a oposição pedisse vista do relatório e ameaçasse apresentar um documento alternativo.
O resultado foi criticado pela vice-presidente da associação de familiares das vítimas do vôo 1907. ¨Confesso que nós estamos um pouco decepcionados com a postura morna com que eles fizeram o relatório. Parece que não quiseram se comprometer muito. Acho que eles tinham muitos dados em mãos e, pelo menos, [poderiam] fazer algumas exigências de indiciamento, de investigação (...). A gente depositava mais esperança¨, afirmou.
Controladores ouvidos pela Folha Online na época do acidente com o Boeing da Gol reclamavam da carga de trabalho, da pressão devido ao regime rígido imposto pela hierarquia militar e o medo de punições. Em um ano, profissionais foram afastados e outros presos, por insubordinação.
A reportagem voltou a ouvir profissionais e as reclamações foram mantidas. Segundo eles, a pressão ainda é grande e os equipamentos, falhos.
À época da colisão das aeronaves, eles apontaram falhas em radares e a existência de ¨pontos cegos¨ no espaço aéreo brasileiro. Os profissionais voltaram a afirmar que, entre os problemas enfrentados atualmente, ainda estão as pistas falsas dadas pelos radares.
Na avaliação deles, as condições dos equipamentos, o excesso de trabalho e o afastamento de colegas e substituições de profissionais ainda expõem o país a riscos de acidentes aéreos.
A FAB admite que falhas em radares podem acontecer, mas afirma os controladores são treinados para lidar com o comportamento -- que considera comum -- de visualização do radar.
Familiares das vítimas contestam número de acordos
Um ano após o acidente com o vôo 1907 da Gol, os familiares das vítimas e a direção da companhia aérea ainda têm pendências a resolver. Antes da missa que lembrou o desastre, a representante das famílias ainda contestou o balanço divulgado pela empresa sobre as indenizações. A Gol anunciou que, das 154 famílias, 32 já fizeram acordos de indenização.
Pouco antes do início de um culto ecumênico organizado pela empresa aérea, que se realizou neste sábado, 29, no Jardim Botânico de Brasília, uma das líderes da Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Vôo 1907, Angelita de Marchi, criticou o governo pela demora na apuração das causas do acidente. ¨Após um ano notamos pouca movimentação do governo para esclarecer o acidente¨, disse.
Angelita acredita que ¨apenas entre 20 e 25 famílias¨ podem ter aceito algum tipo de acordo. Isso, segundo ela, porque a associação tem conhecimento de que 110 famílias estão recorrendo à justiça americana, cinco acionaram a justiça brasileira e outras 15 ainda não buscaram ajuda judicial. ¨Não reconhecemos esse número de 32 famílias¨, afirmou a representante da associação.
Constantino de Oliveira Júnior, presidente da Gol, argumentou que o número de acordos fechados até agora não é pouco. ¨Isso equivale a 80 pessoas¨, afirmou. Ele disse que a Gol está usando os mesmos critérios utilizados pela justiça em situações como essa para propor os acordos e que a empresa não pode forçar as famílias aceitá-los.
Segundo a empresa, os valores são estabelecidos a partir das expectativas de vida das vítimas e do rendimento que elas agregariam a suas famílias ao longo desse tempo.
Outra polêmica entre familiares e a Gol está relacionada a uma reunião que será realizada neste fim de semana em um hotel de Brasília, convocada pela associação. Constantino declarou que não foi comunicado e Angelita afirmou ter enviado um convite à empresa na última sexta-feira pela manhã. O encontro tem o objetivo de discutir a situação dos planos de saúde.
Alguns parentes reclamam de dificuldades de diálogo com a direção da companhia aérea e querem que a Gol renove por mais um ano o plano de saúde oferecido após a tragédia aos familiares. Essa assistência, segundo as famílias, terminará neste domingo.
Angelita afirmou que a manutenção do plano de saúde é necessária para os familiares, já que alguns sofrem de problemas cardíacos e precisam de acompanhamento médico.
Constantino Júnior disse que as pessoas que tiverem comprovadamente a necessidade da assistência saúde terão os planos renovados. Mas, ressaltou, que a prioridade da empresa agora é concluir a negociação das indenizações. ¨Nossa busca não é pelo plano de saúde, mas repor as perdas materiais e garantir o conforto dos familiares¨, declarou o executivo.
Angelita, porém, afirmou ¨que é humilhante ter de provar que se está doente¨. Segundo ela, a manutenção dos planos por mais um ano é uma coisa básica.