Sem gás e sem vergonha 06/11/2007
- Fernando Canzian*
O Brasil já começa a sentir uma crise que o setor privado esperava para daqui a dois anos. E que o governo simplesmente achava que não existiria.
A ameaça de uma falta maior de gás acompanhada de importante aumento de preços da energia tornou-se realidade. As filas de taxis no Rio atrás do produto na semana passada são uma prova cabal de que o governo, ao usar a tática do avestruz e do otimismo exacerbado, coloca em risco a continuidade da recuperação econômica.
Nada pode ser mais fatal, no campo da infra-estrutura, do que a falta de energia em uma sociedade e economia predominantemente elétricas.
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Diante desses questionamentos há mais de um ano, o governo, como sempre, agiu com otimismo em vez de tomar providências.
Palavras do presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Maurício Tolmasquim, responsável pelo Plano Decenal do Ministério das Minas e Energia, à Folha em 07 de maio de 2006, a propósito da reportagem ¨Gás põe plano energético do país em xeque¨:
¨Não existe nenhum risco de racionamento, e o preço da energia não deve aumentar, pois a oferta já foi contratada e os contratos são de longo prazo¨.
As duas premissas iniciais de Tolmasquim mostraram-se erradas, e a sociedade vai pagar o preço da falta de ação na sua área.
Em reportagem ainda mais antiga, de 12 de junho de 2005, a Folha enumerou os problemas que se avolumavam e que precisavam ser atacados:
1) das 27 concessões autorizadas entre 2000 e 2001 para a construção de novas usinas hidrelétricas (que demorariam quatro anos para ficar prontas), nenhuma saiu ainda do papel. O problema principal é a falta de uma política clara de preços da energia para remunerar esses novos investimentos;
2) sem mais energia hidrelétrica, a partir de 2006 o aumento do consumo deveria ser coberto pela geração das termelétricas, que dependem de gás para operar;
3) além de o abastecimento de gás boliviano estar em xeque, há consenso de que os preços vão subir devido ao aumento de tributação no país vizinho e pela tendência natural de alta do petróleo (nesta semana, o óleo está chegando a US$ 100 o barril);
Com uma veemência peculiar, e sem vergonha de empulhar a sociedade com projeções erradas e falta de ações concretas, tanto Tolmasquim quanto a hoje ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, rebateram à época todos esses pontos e afastaram completamente a ocorrência de problemas na área. Não é o que estamos vendo.
O setor privado vem dizendo há anos que o modelo do governo Lula para a energia corre o risco de naufragar. Prova disso é que, nos leilões para oferta futura de energia hidrelétrica (onde as empresas se comprometem a gerar determinada quantidade para vender no futuro), o setor privado tem mostrado apetite mínimo.
Prefere se comprometer mais com a geração a partir das termelétricas e acaba obrigando as estatais da área a aceitarem o preço que o governo quer pagar --considerado muito baixo. Resumindo: o governo tem uma política que desestimula o investimento privado e, aparentemente, obriga as estatais a arcar com subsídios.
A longo prazo, isso deve necessariamente resultar em menos investimentos e, com o tempo, em pressões cada vez maiores sobre os preços.
No governo, as reclamações das empresas privadas são vistas como ¨choradeira¨. As autoridades acreditam que as empresas estão atrás de lucros maiores ao reclamar do modelo de Lula para o setor. Pode ser.
O fato é que já falta gás. E os preços da energia vão acabar subindo. Pior: não por causa da remuneração de novos investimentos, mas pela ausência deles.
*Fernando Canzian é repórter especial da Folha de S.Paulo